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Humanidades ambientais

Humanidades ambientais, também conhecido como humanidades ecológicas, denomina um campo interdisciplinar de pesquisa acerca da interface humano-meio ambiente, combinando repertórios das ciências naturais, sociais e das humanidades. Sua origem remonta à uma convergência de tendências acadêmicas da década de 1970 e 80, especialmente na literatura, filosofia, geografia, antropologia, história e estudos de gênero, consolidando-se autonomamente em torno da década de 1990.[1] O campo inclui ramos notórios independentemente, como a história ambiental, a ecologia cultural, a ecologia política, a filosofia ambiental e o ecocriticismo, entre outros.

Ramos

Ecologia cultural

A ecologia cultural é um campo interdisciplinar de pesquisa acerca da interação entre a cultura humana e o meio ambiente. Desenvolveu-se ao longo do século 20, a partir de estudos na geografia sobre o impacto humano na paisagem,[2] em convergência com uma crescente interesse da antropologia no contexto material das sociedades, consolidando-se independentemente em torno da década de 1930, especialmente na obra de Julian Steward. Se distingue de outras abordagens próximas pela enfase nas transformações culturais que condicionam o processo de ocupação e adaptação à um ambiente específico.[3]

Ecologia política

Ecologia política é um termo polissêmico que denomina um campo de teorias e práticas que desenvolvem alternativas explícitas à ecologia apolítica hegemônica, enfatizando as implicações da ecologia com a economia, o Estado e demais instituições, os movimentos sociais, e a cultura. Surge da crítica dos paradigmas dominantes da escassez e da modernização, buscando explicar, alternativamente, os problemas ecológicos contemporâneos como partes de processos políticos.[4] A ecologia política possui uma abordagem distintamente interdisciplinar - mobilizando pesquisas da geografia, ecologia, filosofia, antropologia, ciências sociais e ciências naturais.[5]

As raizes da ecologia política podem ser remontadas à crítica do determinismo geográfico e ambiental dominante nos primórdios da geografia e da antropologia moderna. Nesse contexto, a ciência demonstrava um alto grau de envolvimento com o domínio colonial, produzindo teses justificadoras da hierarquização racial e da tutela de certos povos, com uma fraca metodologia empírica.[6] Um dos mais notáveis dissidentes nesse período, autor de um obra considerada precursora da ecologia política, foi o geógrafo anarquista Piotr Kropotkin, tanto por sua crítica das ideias socio-ecológicas do darwinismo social, quanto por produzir uma explícita intersecção entre pensamento político e a dimensão ecológica, sintetizada na sua tese do mutualismo.[7] Outros precursores relevantes de uma abordagem ambiental crítica são Alexander von Humboldt, Elisée Reclus, Alfred Russel Wallace e Mary Somerville - todos notáveis por suas elaborações contrárias ao determinismo geográfico e a racionalidade colonial.[8]

Filosofia ambiental

A Filosofia ambiental é uma denominação genérica de um campo da filosofia que estuda os problemas implicados na relação entre seres humanos e não-humanos, com a natureza, ou a natureza mais que humana[9]; que surge contemporaneamente a partir do reconhecimento da crise ecológica.[10] O local mais produtivo desse campo filosófico denominado ambiental tem sido os países anglófonos, especialmente os Estados Unidos, principalmente a partir da filosofia analítica, mas também com abordagens continentais. No entanto, é possível afirmar que uma filosofia ambiental se desenvolveu independentemente em pelo menos três contextos filosóficos - na filosofia anglófona, na filosofia francesa ou francófona, e em menor grau na filosofia alemã.[11] A filosofia ambiental foi inicialmente usada com sinônimo de ética ambiental, e foi identificada frequentemente com a ecologia profunda[12] - entretanto, a filosofia ambiental ultrapassa o escopo da ética, tratando de problemas ontológicos, políticos, epistemológicos e culturais; como também possue outras correntes anteriores e posteriores à denominada ecologia profunda.[13] Muitos filósofos nesse campo se dedicam à discussões em torno de dualismos conceituais - antropocentrismo - biocentrismo; valores instrumentais - valores intrínsecos; individualismo - holismo; e, além disso, problematizações sobre o extensionismo moral, diagnósticos das raízes da crise ecológica do presente, entre outros.[14] A filosofia ambiental surge do esforço de avaliação crítica das ideias e práticas do movimento ambientalista das décadas de 1960 e 70.[9]

Filosofia ambiental permanece um termo genérico e ambíguo, possuindo definições e genealogias heterogéneas, principalmente fora do contexto acadêmico anglófono. Esse termo é sucessivamente associado e distinguido de outras tendências político-filosóficas, como a ecologia política, ecologia social ou mesmo com uma filosofia da ecologia de outra matriz. A França, por exemplo, "(...) tem sido a sementeira de teorias verdes que, em graus variados, se esquivam das categorias do pensamento ambiental anglófono".[15]

História ambiental

História ambiental é o estudo da interação entre humanos, não-humanos e o mundo natural ao longo do tempo, com ênfase na influência que a natureza exerce sobre as atividades humanas e vice-versa. Embora investigações sobre natureza e sociedade possam ser identificadas em diversas tradições historiográficas ao longo dos séculos, a história ambiental como disciplina se desenvolveu em meados dos anos 1970 nos Estados Unidos da América, influenciada pelo início do movimento ambientalista. Nessa época, a disciplina focava principalmente em estudos sobre conservação ambiental, mas desde final do século XX seus objetos de estudos foram ampliados significativamente. A história dos animais, das cidades e da saúde compõem alguns dos desenvolvimentos das novas abordagens da história ambiental.

As pesquisas em história ambiental, por muito diversas que sejam, desafiam o dualismo entre os conceitos de cultura e natureza, uma interpretação clássica da cultura europeia ocidental. Nesta visão tradicional, concebe-se uma humanidade destacada das dinâmicas do mundo natural, opondo conceitos como paisagem natural e paisagem cultural. A história ambiental, ao contrário, sugere maior interação entre seres humanos e seu meio ambiente, e investiga como suas interrelações se transformam ao longo do tempo. Para isto, a história ambiental estabelece pontes interdisciplinares importantes entre a história, a geografia e as ciências naturais.

Os temas de interesse da história ambiental, de acordo com um dos fundadores da disciplina, Donald Worster, podem ser divididos em três componentes principais. O primeiro deles é a "própria natureza e suas mudanças ao longo do tempo", incluindo o impacto físico dos humanos na Terra. O segundo eixo são os estudos de "como os humanos usam a natureza", incorporando as consequências ambientais de uma população crescente, tecnologias mais efetivas e padrões em mudança de produção e consumo.[16] Worster, coloca como o terceiro componente o estudo do que as pessoas pensam sobre a natureza, que abarcam suas atitudes, crenças e seus valores que influenciam a interação com a natureza, especialmente através de mitos, da religião e da ciência.[17]

Ecocriticismo

Ecocriticismo é um ramo da teoria literária contemporânea focado no estudo de textos culturais e na forma como produzem noções de 'natureza', 'animalidade' e 'materialidade', entre outras, através de representações, que consequentemente influenciam práticas concretas.[18] Em outras palavras, é definido como o estudo da relação entre literatura e meio ambiente,[19] uma intersecção entre a crítica ambiental e os estudos literários.[20] Enquanto campo de estudos, participa das humanidades ambientais, interagindo com outros ramos como a ecologia cultural e história ambiental. O campo se desenvolveu principalmente no contexto anglófono, com um foco inicial na literatura romântica e na técnicas de escrita da natureza, diversificando-se, posteriormente, para abranger outras geografias e outras formas de texto, fazendo-se uma espécie de 'crítica ecocultural' e tomando como objeto textos de divulgação científica, filmes, programas de televisão e um variedade de artefatos cultural.[21]

Direito ambiental

Direito ambiental é um ramo do direito, constituindo um conjunto de normas jurídicas e princípios jurídicos voltados à proteção da qualidade do meio ambiente. Para alguns, trata-se de um direito "transversal" ou "horizontal", que tem por base as teorias geopolíticas ou de política ambiental transpostas em leis específicas, pois abrange todos os ramos do direito, estando intimamente relacionado com o direito constitucional, direito administrativo, direito civil, direito penal, direito processual e direito do trabalho.

Hoje, na mais moderna teoria, conforme afirma Albergaria,[22] o direito ambiental é considerado como ramo do direito que visa a proteção não somente dos bens vistos de uma forma unitária, como se fosse microbens isolados, tais como rios, ar, fauna, flora (ambiente natural), paisagem, urbanismo, edificações (culturais) e outros, mas como um macrobem, incorpóreo, que englobaria todos os microbens em conjunto bem como as suas relações e interações. Outrossim

"Diante da imperiosa necessidade de proteção ao meio ambiente, em face da participação do homem na exploração desenfreada dos bens ambientais fundada na economia crescente e no mercado cada vez mais amplo, diversificado e exigente, construiu-se uma nova ramificação do Direito, o Direito Ambiental, visto que a conservação da natureza e dos recursos naturais fez-se imprescindível para a manutenção e permanência do homem no planeta, sendo que, o homem é suscetível a todos os impactos provenientes de um ecossistema desequilibrado e deficiente."[23]

Em suas origens, denominado de direito ecológico, Ferraz,[24] em estudo pioneiro sobre o tema no Brasil, afirmava ser "o conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos organicamente estruturados, para assegurar um comportamento que não atente contra a sanidade mínima do meio-ambiente". Veja-se, a respeito, Moreira.[25] onde o "Direito Ecológico é o conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos sistematizados e informados por princípios apropriados, que tenham por fim a disciplina do comportamento relacionado ao meio-ambiente". Alguns autores, como Milaré [26] preferem denominá-lo de "Direito do Ambiente". A Lei Federal n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, define o meio ambiente como "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas" (art. 3º, inc. I). Os primeiros doutrinadores brasileiros não incluíam o meio ambiente do trabalho ou o meio ambiente cultural dentro do objeto do direito ambiental, vislumbrando esta disciplina apenas sob sua perspectiva ecológica. Todavia, quando SILVA,[27] com finalidade meramente didática, apresentou uma divisão do meio ambiente em natural, artificial, cultural e do trabalho, os doutrinadores que a ele se seguiram passaram a reproduzir tal divisão. Com isto, foi significativamente ampliada a visão do escopo desta disciplina, passando a abranger temas como poluição no interior de estabelecimentos industriais, qualidade de vida nas cidades e proteção do patrimônio cultural. A legislação ambiental cuida da proteção da biodiversidade, da sadia qualidade de vida e do controle da poluição, em suas diversas formas, tanto no meio ambiente externo como no ambiente confinado (por exemplo, o meio ambiente industrial)[23]. A definição de biodiversidade está prevista no artigo 2º da Convenção da Diversidade Biológica. Magalhães,[28] aperfeiçoando o texto de referido dispositivo, propõe a seguinte definição: "Diversidade biológica significa a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os organismos que compõem a parte viva dos ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies e entre espécies".Na opinião de alguns autores, a quantidade de normas dificulta a complexidade técnica, o conhecimento e a instrumentalização e aplicação deste ramo do direito. Para esta corrente doutrinária, o ideal seria a extração de um sistema coerente, cuja finalidade é a proteção do meio ambiente. Todavia, significativa parcela da doutrina sustenta que o caráter multifacetário do direito ambiental impossibilita sua completa codificação. Para a aplicação das normas de direito ambiental, é importante compreender as noções básicas e adequá-las à interpretação dos direitos ambientais. Ver Legislação Ambiental no Brasil.[29]

Referências

  1. ↑ Emmett & Nye 2017, p. 3.
  2. ↑ Robbins 2019, p. 36.
  3. ↑ Sutton 2010, p. 3.
  4. ↑ Robbins 2019, p. 20, 21.
  5. ↑ Robbins 2019, p. 24.
  6. ↑ Robbins 2019, p. 26, 27.
  7. ↑ Robbins 2019, p. 28.
  8. ↑ Robbins 2019, p. 31.
  9. ↑ a b Targa, p. 3.
  10. ↑ Katz 1991, p. 79.
  11. ↑ Maskit 2014, p. 204.
  12. ↑ Morris 2017, p. 370.
  13. ↑ Clark et al. & 2/3.
  14. ↑ Clark et al. & 4.
  15. ↑ Whiteside 2002, p. 3.
  16. ↑ Grove 1994.
  17. ↑ Worster 1988, p. 293.
  18. ↑ Nayar 2009, p. 329.
  19. ↑ Nayar 2009, p. 330.
  20. ↑ Garrard 2004, p. 3.
  21. ↑ Garrard 2004, p. 4.
  22. ↑ ALBERGARIA, Bruno. Direito Ambiental e a Responsabilidade Civil das Empresas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2ª ed., 2009. Pág. 47
  23. ↑ a b BORILE, G. O.; SANTOS, L. B. ; CALGARO, C. (2016) O Direito Ambiental e a proteção dos recursos naturais: aspectos evolutivos e interacionais da relação entre o homem e o meio ambiente. Contribuciones a las Ciencias Sociales, v. 33 n. 9.
  24. ↑ FERRAZ, Sérgio. Direito Ecológico, Perspectivas e Sugestões. In: Revista da Consultoria-Geral do Rio Grande do Sul, vol.2, n.4, Porto Alegre, 1972
  25. ↑ MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico, 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1975
  26. ↑ MILARÉ, Édis. Direito Ambiental, 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011
  27. ↑ SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011
  28. ↑ MAGALHÃES, Vladimir Garcia. Propriedade Intelectual, Biotecnologia e Biodiversidade. São Paulo: Fiuza, 2011. Pág. 31
  29. ↑ «Título ainda não informado (favor adicionar)». www.h2brasil.com 

Bibliografia

Português

Inglês

  • Bergthaller, Hannes (2014). «Mapping common ground: ecocriticism, environmental history, and the environmental humanities». Environmental Humanities. 5 (1). Consultado em 29 de dezembro de 2022 
  • Alexander, Elliott; James, Cullis; Vinita, Damodaran, eds. (2017). Climate Change and the Humanities - Historical, Philosophical and Interdisciplinary Approaches to the Contemporary Environmental Crisis (em inglês). [S.l.]: Palgrave Macmillan. ISBN 978-1-137-55123-8 
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  • Emmett, Robert S.; Nye, David E. (2017). The Environmental Humanities - A Critical Introduction (em inglês). [S.l.]: MIT Press 
  • Jeffrey Jerome, Cohen; Stephanie, Foote, eds. (2021). The Cambridge companion to environmental humanities (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press 
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  • Schaberg, Christopher (2020). Searching for the Anthropocene - A Journey into the Environmental Humanities. [S.l.]: Bloomsbury Publishing. ISBN 978-1-5013-5184-6 
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