A Legião Vermelha foi um grupo terrorista português ligado ao anarcossindicalismo e ao sindicalismo revolucionário, tendências político-sindicais que se desenvolveram em Portugal em torno da Confederação Geral do Trabalho (CGT)[1][2] e da Federação Maximalista Portuguesa (FMP).[3] Embora a história da Legião Vermelha esteja ainda envolta em algum mistério, a organização terá sido autora de perto de duas centenas de atentados, entre finais de 1919 e 1925, causando um largo rasto de mortes e de destruição.[4][5] Após o 25 de Abril de 1974, destacados militantes anarquistas e anarco-sindicalistas, entre os quais Emídio Santana, Raul Santos, Adriano Botelho e Acácio Tomás de Aquino, rejeitaram que a Legião Vermelha fosse considerada como anarco-sindicalista, classificando a organização como de índole bolchevista e anarcocomunista, afirmando que a chamada Legião Vermelha nada teve a ver com o anarquismo, considerando-a um desvio terrorista nos círculos próximos às Juventudes Comunistas.[6][3] A Legião Vermelha passou a ser responsabilizada nos jornais, e nas declarações dos responsáveis políticos e das polícias, por todas as acções ilegais realizadas no âmbito das lutas sociais no período da Primeira República Portuguesa e do Estado Novo, apesar de isso não corresponder à verdade, passando a luta contra organização a constituir um dos pilares da propaganda dos ordeiros e das forças pró-ditadura.[7]
História
A Legião Vermelha surgiu em finais de 1919, na cidade de Lisboa, embora com ramificações em outras localidades, fruto da confluência das juventudes anarco-sindicalistas com grupos republicanos radicais desgarrados, afirmando-se como uma organização terrorista, considerada como de ação direta sindicalista, movida por um fanático niilismo contra a sociedade burguesa e contra os poderes que a sustentavam,[5] nomeadamente os governos da Primeira República. Os seus elementos mais extremistas provinham das Juventudes Sindicalistas[8] e integravam grupos anarquistas.[9] O seu objectivo era a ação direta visando a aniquilação pela força da sociedade burguesa.
Pela sua própria concepção, o sindicalismo revolucionário e o anarquismo eram defensores acérrimos do ilegalismo e da acção directa, vista como a actividade desenvolvida por cada militante, e pelos grupos, em defesa dos seus interesses, sem recurso a intermediários políticos, contrapondo-se assim à representação política da democracia liberal. Mas acção directa foi também entendida como a acção ilegal e violenta, que hoje é comum classificar de terrorismo.[6]
A concepção revolucionária da Federação Maximalista Portuguesa, e depois do Partido Comunista Português (na sua fase inicial e, pelo menos, até 1939), admitia como necessárias ações violentas contra a burguesia e os seus defensores, no contexto de uma guerra social que visava a conquista do poder e a instauração de uma ditadura do proletariado. Estas ações, que marcaram a história do comunismo em Portugal, atraíram, para além dos comunistas, muitos anarquistas seguidores do pensamento de Mikhail Bakunin e de Errico Malatesta.[10] Os revolucionários mais exaltados consideravam a ideia de revolução social defendida pelos anarquista como insatisfatória ao requerer um processo que seria inevitavelmente lento, já que a auto-organização gestionária dos trabalhadores, e a criação entre o operariado de uma consciência de classe, exigia um processo geracional de construção de uma nova sociedade. A transformação social implicava naturalmente uma mudança de mentalidade dos oprimidos e explorados, condição essencial para o êxito da revolução internacional.[10]
A ação da Legião Vermelha
Entre dezembro de 1919 a maio de 1925, Portugal foi varrido por uma onda bombista, de mortes a tiro e de violência, centrada principalmente em Lisboa, contra autoridades e figuras em destaque no comércio, na indústria e nas profissões consideradas conservadoras e burguesas. Foram atribuídos à Legião Vermelha mais de 200 atentados, maioritariamente em solidariedade com greves, mas também contra os juízes e outras figuras relevantes do Estado e do patronato.
Tiveram grande repercussão as tentativas de assassinar Sérgio Príncipe (num atentado ocorrido a 8 de setembro de 1922),[11] dirigente da Confederação Patronal, que organizou nessa época uma milícia ao serviço dos patrões, e o fracassado duplo atentado a tiro, a 15 de maio de 1925, contra o então capitão João Maria Ferreira do Amaral, comandante da Polícia Cívica de Lisboa e figura emblemática da repressão naquela cidade.
Contudo, uma análise dos documentos, testemunhos e indícios sobre o activismo terrorista da década de 1920 em Portugal mostra que o empolamento da Legião Vermelha foi produto de uma campanha propagandística conservadora e que esse ciclo de acção directa se deveu a uma pluralidade de grupos sindicalistas, anarquistas e comunistas.[6] A ligação ao anarco-sindicalismo tem sido disputada, já que setores importantes do grupo se consideravam anti-anarquistas. Ao tempo houve mesmo vários anarquistas que ao tempo denunciaram o grupo pelas suas acções contra os libertários, acusando a organização de ser responsável pelo assassinato do militante anarquista Manuel dos Santos.[6] O carácter leninista da Legião Vermelha foi denunciado em O Despertar, o jornal da Federação das Juventudes Sindicalistas,[12] em artigo assinado por David de Carvalho, anarquista que depois viria a ser militante comunista.[6]
Após o 25 de abril de 1974, quando foi possível recolher os depoimentos de anarquistas da época, entre os quais Emídio Santana,[13] Raul Santos, Adriano Botelho e Acácio Tomás de Aquino, cresceu a convicção de que a Legião Vermelha não foi controlada pelo movimento anarco-sindicalista ligado à Confederação Geral do Trabalho (CGT), sendo antes um conjunto pouco coeso de grupos radicais de esquerda com diferentes orientações ideológicas. Alguns militantes comunistas, como Neves Anacleto, José da Silva e Bento António Gonçalves, admitiram a existência de um «desvio» terrorista nos grupos próximos das Juventudes Comunistas.[6] Sobre esta matéria, David de Carvalho, membro das Juventudes Sindicalistas que posteriormente foi militante comunista, afirma que a Legião Vermelha foi fundada por alguns elementos anarquistas e membros dos comités de defesa social das Juventudes Sindicalistas e que esta organização de feição anarquista seguindo a tradição bakuninista, muitas vezes em contraposição com a acção desenvolvida pelo sindicalismo revolucionário teve como fundadores José Gomes Pereira, José Melo de Aguiar, José Soares e Ezequiel Seigo, todos eles comunistas. O mesmo autor afirma ainda que outros grupos anarquistas, sem ligações com a Legião Vermelha, continuaram na prática de atentados.[6]
A repressão e a extinção do movimento
Em resposta ao crescente número de atentados, foi publicada a Lei n.º 969, de 11 de maio de 1920,[14] que estendia aos condenados por crimes sociais, aí se incluindo os bombistas e os autores de atentados, sabotagens ou cabecilhas de organizações violentas, as penas de deportação para as colónias ultramarinas já aplicáveis a vadios e reincidentes de delito comum pelo Decreto n.º 5576, de 10 de maio de 1919.[15] Este dispositivo legal na realidade criava um tribunal especial, o Tribunal de Defesa Social, destinado a julgar sumariamente estes processos.
Por sua vez, a reacção patronal e das forças de direita contra a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), organizando a Confederação Patronal e, em 1924, a União dos Interesses Económicos, levou a que também a Legião Vermelha tivesse o seu contraponto numa outra organização terrorista secreta de sinal contrário, a Grande Ordem dos Cavaleiros do Patronato, criada por um ex-sindicalista, franco-atirador a soldo dos interesses patronais, de nome Sérgio Príncipe. Os Cavaleiros do Patronato copiavam vagamente modelos de luta similares dos patrões de Barcelona ou dos fascistas italianos. A sua história foi breve, dado que Sérgio Príncipe acabou emboscado e neutralizado pela Legião Vermelha nos finais de 1922.[5]
O fracassado atentado de 15 de maio de 1925 contra o capitão Ferreira do Amaral desencadeou a uma vaga repressiva que levou à deportação de uma centena de membros da organização para África. No período de 1927 a 1929, foram deportados para Timor pelo menos 85 presos acusados de serem membros do movimento,[16] entre os quais Manuel Viegas Carrascalão, pai de Mário Carrascalão.[17] Parte importante dos suspeitos de pertencerem à organização, ou de a apoiarem, foi enviada para a Fortaleza de São João Baptista, em Angra do Heroísmo, de onde muitos foram transferidos para o Campo de Concentração do Tarrafal (em Cabo Verde) e alguns para Timor.[18]
Na realidade, o «problema da ordem pública», no qual se destacava a ação, real ou apenas falsamente imputada, da Legião Vermelha, foi na fase final da Primeira República Portuguesa um dos elementos axiais para a convergência das direitas nacionalistas e o mais forte argumento para a aceitação pela sociedade portuguesa de soluções «ordeiras», de cariz ditatorial, que pusessem termo à democracia liberal, percebida como ineficaz e potenciadora dos extremismos da esquerda revolucionária.[19][20]
Embora a Legião Vermelha tivesse há muito cessado a sua atividade, a propaganda do Estado Novo voltou a «ressuscitar» o medo do terrorismo vermelho aquando de um atentado contra Oliveira Salazar que ocorreu na manhã de 4 de julho de 1937, que teria sido alegadamente executado por cinco membros deste movimento, capitaneados por Emídio Santana. Pretendiam matar Oliveira Salazar, quando este se deslocava para assistir à missa dominical na capela privada do seu amigo Josué Trocado, na Avenida Barbosa du Bocage, em Lisboa, mas fracassaram quando a bomba que fora colocada num colector de esgotos sob a rua por onde passaria viatura de Oliveira Salazar explodiu sem a atingir.
Referências
- ↑ Infopédia: «Legião Vermelha».
- ↑ D. Ferreira, «Legião Vermelha» in Joel Serrão (dir.), Dicionário de História de Portugal, vol. III, Porto: Livraria Figueirinhas, 1984, p. 448-450.
- ↑ a b Carlos Fontes, Anarquismo em Portugal (1796-2021), pp. 89-92. Lisboa, 2022.
- ↑ António Luís Marinho & Mário Carneiro, Portugal à lei da bala. Terrorismo e violência política no século XX, p. 261. Lisboa, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2018.
- ↑ a b c José Miguel Sardica, «O povo e o poder: violência política e social em Portugal da crise da Monarquia Constitucional às origens do Estado Novo» in APORTES, n.º 106, año XXXVI (2/2021), pp. 109-138 (ISSN 0213-5868, eISSN 2386-4850).
- ↑ a b c d e f g M. Ricardo de Sousa, «A Legião Vermelha e a acção directa sinsicalista- parte 1» in A Batalha, VI Série, Ano XLIV, n.º 281 (Agosto/Outubro de 2018).
- ↑ M.Ricardo de Sousa, «A Legião Vermelha e a acção directa sindicalista - parte 2» in A Batalha, Jornal de Expressão Anarquista, VI Série, Ano XLV, n.º 282 (nov/dez de 2018).
- ↑ João Freire, «As Juventudes Sindicalistas: Um Movimento Singular». Penélope, n.º 4 (novembro de 1989), pp. 120-137. Departamento de História e Sociologia do I.S.C.T.E., 1989.
- ↑ Infopédia: «Legião Vermelha».
- ↑ a b Carlos Fontes, Anarquismo em Portugal (1796 - 2021) .
- ↑ Almanaque Republicano: Sérgio Joaquim Príncipe.
- ↑ O Despertar, edição de 19 de maio de 1923.
- ↑ Emídio Santana, Memórias de um Militante Anarco-Sindicalista. Lisboa, Perspectivas & Realidades, 1985.
- ↑ Lei n.º 969, de 11 de maio de 1920, regulando a forma de julgamento dos agentes de determinados crimes.
- ↑ Decreto n.º 5576, providenciando quanto ao destino a dar aos inúmeros presos que, acusados de vadiagem e reincidências em delitos comuns de penas correccionais, se encontram detidos nas prisões civis e militares de Lisboa.
- ↑ De acordo com Carlos Fontes (2022), foram deportados para Timor, em 1927, vários presos com fortes ligações iniciais à Legião Vermelha, entre os quais: Joaquim António Pereira (conhecido por Bela Khun, 1896-1929), Hilário Gonçalves (1907-?), António Augusto dos Santos, Artur Pinho Alonso, José Gomes, Arsénio José Filipe (pintor da construção civil), João Filipe (pintor da construção civil, irmão do anterior), António Luís Júnio, Carlos Frederico Vasconcelos Bacelar e Sousa, Augusto Victor Martins, José de Melo Aguiar, Luís José de Abreu (1887-?), José Abrantes Castanheira (1901-1929), José Maria da Cruz (1897-1932), Júlio da Anunciação, José de Abreu (1887-?), Manuel Simões de Miranda (1903-1943) e Manuel Tavares da Silva (1900-?).
- ↑ Almanaque Republicano: Manuel Viegas Carrascalão (parte 1).
- ↑ Acácio Tomás de Aquino, O segredo das prisões atlânticas, pp. 32-56. Regra do Jogo, Lisboa, 1978.
- ↑ Ernesto Castro Leal, «A Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira e as origens do Estado Novo (1918-1938)», Análise Social, vol. XXXIII (148), p. 832.
- ↑ Fernando Rosas & Maria fernanda Rollo, História da Priemira república Portuguesa. Tinta da China, Lisboa, 2009.