O movimento antropofágico foi uma manifestação artística brasileira da década de 1920, fundada e teorizada pelos paulistasOswald de Andrade, poeta, e Tarsila do Amaral, pintora.
Aprofundando a ideologia da Poesia Pau-Brasil, que desejava criar uma poesia de exportação, o movimento antropofágico brasileiro tinha por objetivo a deglutição (daí o caráter metafórico da palavra "antropofágico") da cultura do outro externo, como a estadunidense e europeia e do outro interno, a cultura dos ameríndios, dos afrodescendentes, dos eurodescendentes e dos asiodescendentes, ou seja, não se deve negar a cultura estrangeira, mas ela não deve ser imitada.
Foi certamente um dos marcos do modernismo brasileiro. Oswald de Andrade ironizava em suas obras a submissão da elite brasileira aos países desenvolvidos. Propunha a "devoração cultural das técnicas importadas para reelaborá-las com autonomia, convertendo-as em produto de exportação".
Esteticamente, o segundo manifesto de Oswald, basicamente, reafirma os valores daquele, apregoando o uso de uma "língua literária" "não-catequizada".[3]
O manifesto configurou uma primeira reação formal por parte de intelectuais brasileiros em prol de uma produção artística autenticamente nacional, mas falhou em influenciar uma nova geração de escritores, como intendido.[4]
Conteúdo
Escrito em prosa poética no estilo modernista de Une Saison en Enfer de Rimbaud, o Manifesto Antropófago é mais diretamente político do que o manifesto anterior de Oswald, Manifesto Pau-Brasil, criado com o interesse de propagar uma poesia brasileira para exportação. O "Manifesto" tem sido muitas vezes interpretado como um ensaio em que o argumento principal propõe que a história brasileira de "canibalização" de outras culturas é sua maior força, ao mesmo tempo em que joga com o interesse primitivista dos modernistas pelo canibalismo como um suposto rito tribal, que torna-se uma forma de o Brasil se afirmar contra a dominação cultural pós-colonial europeia.[5]
Um dos versos icônicos do Manifesto, escrito em inglês no original, é "Tupi or not Tupi: eis a questão". A linha é simultaneamente uma celebração dos tupis, que praticavam certas formas de canibalismo ritual (como detalhado nos escritos do século XVI de André Thévet, Hans Staden e Jean de Léry) e uma instância metafórica de canibalismo: come Shakespeare. Por outro lado, alguns críticos argumentam que a Antropofagia como movimento era muito heterogênea para que argumentos abrangentes fossem extraídos dele e que muitas vezes tinha pouco a ver com uma política cultural pós-colonial.[6]
A revista foi publicada entre maio 1928 e agosto de 1929 e teve duas fases, ou "dentições", como queriam os seus participantes. A publicação divulgava poesia, textos, anúncios de livros e críticas a alguns conteúdos dos grandes jornais.[7]
Já a segunda "dentição", sob liderança de Geraldo Ferraz, teve 15 números publicados no jornal Diário de São Paulo. O primeiro número foi publicado em 17 de março de 1929 e o último, em 1 de agosto de 1929.[7]
Legado
Na década de 1960, apresentados à obra de Oswald de Andrade pelo poeta concretoAugusto de Campos, o artista plástico Hélio Oiticica e o músico Caetano Veloso viram no Manifesto uma grande influência artística no movimento Tropicália. Veloso afirmou: "a ideia de canibalismo cultural caiu como uma luva em nós, os tropicalistas. Estávamos 'comendo' os Beatles e Jimi Hendrix."[8] No álbum Tropicalia ou Panis et Circensis, de 1968, Gilberto Gil e Torquato Neto referem-se explicitamente ao Manifesto na canção "Geléia geral" na letra "a alegria é a prova dos nove", que seguem com "ea tristeza é teu porto seguro" (e a tristeza é seu porto seguro).
Em 1990, o artista plástico brasileiro Antonio Peticov criou um mural em homenagem ao que teria sido o centenário de Andrade. A obra O Momento Antropofágico com Oswald de Andrade foi instalada na estação Republica do Metrô de São Paulo e foi inspirada em três obras de Andrade: O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo, Manifesto Antropofágico e O Homem do Povo.[9][10]
↑Markman, Rejane Sá (2007). Música e simbolização. [S.l.]: Anna Blume. p. 83
↑Garcia, Luis Fellipe (2020). «Oswald de Andrade / Anthropophagy». ODIP: The Online Dictionary of Intercultural Philosophy. Thorsten Botz-Bornstein (ed.). Consultado em 13 de junho de 2020
↑Jauregui, Carlos, A. (2012). McKee Irwin & Szurmuk, ed. Dictionary of Latin American Cultural Studies. Gainesville: University Press of Florida. pp. 22–28