+ de 5 milhões (portugueses e brasileiros filhos e netos de portugueses, com uma população muito maior de bisnetos e demais parentescos distantes).[nota 2]
Geneticamente, os dados apontam para uma fraca diferenciação interna dos portugueses, cuja base é essencialmente continental europeia de origem paleolítica. A base genética da população do território português mantém-se aproximadamente a mesma nos últimos quarenta milénios, apesar da presença de inúmeros povos no território português que também contribuíram para o património genético dos seus habitantes.
No período moderno, os processos migratórios mais relevantes em Portugal deram-se nas últimas três décadas do século XX e até ao presente, com a notável exceção da entrada de grupos ciganos ainda no século XV. Após 1974, o país torna-se um recetor significativo de populações migrantes, quer como resultado direto ou indireto da descolonização de África, quer como resultado da participação de Portugal na União Europeia. Portugal tem vindo a receber em número crescente populações migrantes oriundas do Brasil (ex-colónia portuguesa), África (com maior relevância das ex-colónias), Ucrânia (e países do Leste Europeu em geral), além duma multiplicidade demograficamente menos significativa doutras origens, entre as quais avoluma a chinesa.
Portugal foi tradicionalmente uma terra de emigração, desde o período da expansão imperial e colonial, passando, por exemplo, pela emigração económica para o Brasil no século XIX e pela emigração económica, a partir de 1960, para alguns países da Europa Ocidental. Além dos cerca de dez milhões de portugueses residentes em Portugal, estima-se existirem milhões mais espalhados pelo mundo (incluindo os lusodescendentes recentes) num total de milhões de pessoas com raízes portugueses.[16]
Desenvolvimentos recentes das metodologias para definição das estruturas populacionais levaram a um estudo de 2006[21] que concluiu verificar-se uma clara e consistente divisão entre grupos populacionais sul e norte europeus. Um estudo adicional de 2007 posiciona as populações ibéricas algo afastadas de outros grupos continentais, incluindo outros grupos sul-europeus, dando fundamento à hipótese que a Península Ibérica alberga as populações com a origem mais antiga de toda a Europa. Neste estudo, a mais importante diferenciação genética europeia atravessa o continente de norte para sudeste, acompanhada de um outro eixo de diferenciação este-oeste (diferenciando o sul do norte), ao mesmo tempo que se verificou, apesar destas linhas de demarcação relativa, a homogeneidade e proximidade genética de todas as populações europeias.[22]
Um estudo genético de 2019, que analisou o DNA de habitantes da Península Ibérica, dos últimos 8 000 anos, sugere que a população portuguesa e espanhola foi formada pelas seguintes ondas migratórias:[23]
Idade do Bronze (c. 2 000 a.C.): fluxo gênico adicional do Centro e do Norte da Europa;
Idade do Ferro (c. 000 a.C.): mais fluxo gênico do Centro e do Norte da Europa;
Período Romano (c. ano 0): influxo genético do Mediterrâneo central e oriental. Algum influxo adicional de genes norte-africanos, no sul da Península Ibérica;
Período Muçulmano (c. ano 1000): fluxo gênico adicional do Norte da África. Com a Reconquista, há uma maior troca de fluxo gênico do resto da Península Ibérica em direção ao Sul, seguido da expulsão dos mouriscos, reduzindo a contribuição norte-africana, mas sem eliminá-la completamente.
A base paleolítica das modernas populações ibéricas
Entre o 45.º e o 40.º milénios antes do presente, durante o Paleolítico Superior e a última Idade Glaciar, o primeiro povoamento da Europa por seres humanos modernos ocorreu (com o chamado Homem de Cro-Magnon). Estes eram caçadores-recoletoresnómadas originários das estepes da Ásia Central. Quando a última glaciação atingiu o seu máximo, entre o 35.° e o 30.º milénio antes do presente, estes humanos modernos refugiaram-se no sul da Europa, nomeadamente na Península Ibérica, tendo aí entrado por via do sul do atual território francês, através dos Pirenéus. Nos milénios que se seguiram, acompanhando a progressiva retração e extinção das populações Neandertais, as culturas humanas modernas floresceram na Península Ibérica, produzindo períodos como o Aurignaciano, Gravetiense, Solutrense e Magdaleniano, alguns deles caracterizados por formas complexas de arte pré-histórica e que produziram expressões artísticas tão monumentais como o Vale do Côa (em Portugal).
Estas populações paleolíticas, a grande base démica da presente população portuguesa, eram relativamente homogéneas geneticamente (caracterizadas pela mutação M173 no Cromossoma Y), e viriam a desenvolver a mutação M343, originando o Haplogrupo R1b, dominante ainda hoje entre os Portugueses e outros europeus ocidentais como Britânicos, Franceses, Irlandeses, Belgas e etc.
Anteriores análises do Cromossoma Y e do ADN Mitocondrial[24] tinham já constatado a suma importância do legado paleolítico nas populações ibéricas. Apesar de essas metodologias não propiciarem fortes inferências sobres as estruturas genéticas populacionais, são bastante úteis na reconstrução das rotas migratórias das populações europeias. Quer o haplogrupo Y-cromossomático R1b, quer o haplogrupo mitocondrial H atingem frequências de 60% em quase toda a Península Ibérica (chegando a 90% no País Basco).[25] Tal demonstra o laço ancestral entre a Península Ibérica e o resto da Europa Ocidental, em particular a Europa atlântica, que partilham elevadas frequências destes marcadores genéticos. Estas análises dão forte fundamento à hipótese segundo a qual populações fundadoras do norte ibérico colonizaram o resto da Europa Ocidental no fim da última glaciação.[26] De facto, um dos maiores componentes do genoma europeu parece derivar de antepassados cujas características genéticas eram semelhantes à dos Bascos modernos, sendo que este componente é, por razões de proximidade e concordância geográfica, mais elevado no território ibérico.[27][28]
A conexão atlântica
Geneticistas como Barry Cunliffe,[29]Bryan Sykes,[30]Stephen Oppenheimer[31] e Spencer Wells[32] têm avançado com a hipótese, fundamentada nestes e noutros estudos genéticos, bem como em dados arqueológicos, de que as populações ibéricas devem ser consideradas como a origem principal dos povos que repovoaram a Europa atlântica no período pós-glacial, particularmente durante o Paleolítico e o Mesolítico, mas também no Neolítico.
Dentro dos marcadores genéticos que evidenciam tal realidade démica, tais como o importante Haplogrupo Y-cromossomático R1b, existem haplotipos modais, sendo um dos mais caracterizados o Haplótipo Modal Atlântico (AMH),[33] que atinge as frequências mais elevadas na Península Ibérica, atingindo os 37% em Portugal. A população portuguesa é relativamente homogénea, sendo o haplogrupo mais frequente em Portugal o R1b3[34] (típico das populações Europeias).
Estes autores afirmam que, particularmente no Mesolítico (período de transição entre o Paleolítico e o Neolítico, com início há cerca de 10 000 a.C.), a Oscilação de Allerød, uma desglaciação que diminuiu as condições árduas da última Glaciação, permitiu que as populações ibéricas (descendentes do Homem de Cro-Magnon) migrassem e recolonizassem toda a Europa Ocidental. Este foi o período da cultura Aziliense no sul de França e norte da Península Ibérica (até a foz do rio Douro), bem como da cultura dos Concheiros de Muge, no Vale do Tejo.
O contributo neolítico
As contribuições populacionais e culturais neolíticas para o conjunto ibérico também não podem ser ignoradas, embora tenham uma importância menor quando comparadas com o peso da origem paleolítica. Os processos démicos e culturais do Neolítico estão associados à expansão da agricultura a partir do Médio Oriente.[28][35][36][37][38]
Estudos genéticos recentes apoiam a ideia de um importante elemento de origem neolítica no conjunto do genoma europeu, dando apoio ao modelo de difusão démica[39] a partir do Médio Oriente. Este componente genético neolítico encontra-se igualmente em níveis significativos nas populações ibéricas, embora em níveis marcadamente inferiores ao verificados noutras regiões europeias, quer as mais a leste (e com maior proximidade geográfica com o ponto de origem médio-oriental, como a Península Balcânica), quer mais a norte. De facto, as grandes diferenciações genéticas europeias atravessam o continente numa distribuiçãoclinal de orientação sudeste/noroeste, assim ligando mais as populações mais ocidentais da Europa (incluindo a Península Ibérica) através da origem paleolítica comum (aliás, de origem ibérica), e as populações do leste, particularmente do sudeste, através de uma origem neolítica comum[28] (repare-se, no entanto, que um dos outros grandes componentes genéticos do Leste europeu, marcado pelo Haplogrupo R1a, tem origem na região da Ucrânia moderna,[40] além de outros com menor impacto démico com origem através do norte da Ásia, especificamente do norte daRússia). No entanto, o modelo de difusão démica permanece algo controverso, já que as provas que o sustentam, sendo Y-cromossomáticas, logo apontando para movimentos populacionais masculinos, não encontram correlato nos dados conhecidos de ADN mitocondrial, ou seja, dos movimentos migratórios femininos. Tal faz suspeitar que os processos neolíticos de expansão a partir do Médio Oriente tenham sido não só essencialmente masculinos, mas mais um processo de expansão cultural do que populacional.
De qualquer forma, o Neolítico trouxe mudanças à paisagem humana da Península Ibérica a partir de há 7 000 a.C., com o desenvolvimento da agricultura e o início da Cultura Megalítica Europeia. Esta viria a espalhar-se por grande parte da Europa Ocidental e parte do Norte de África. Um dos centros mais antigos desta cultura monumental foi Portugal. Este é igualmente o período em que se assiste à expansão por via marítima, a partir do leste mediterrânico, da Cultura da Cerâmica Cardial, associada igualmente a processos migratórios marcados pela presença do Haplotipo E3b, originário do Corno de África e disperso pelo Mediterrâneo oriental durante o Mesolítico.[18][41][42][43][44][45][46]
Note-se que, com algumas excepções localizadas, os dados arqueológicos demonstram que este processo foi essencialmente de aculturação das populações europeias, mais do que de migração em massa. Mesmo assim, a Cultura da Cerâmica Cardial terá tido um papel de relevo no lento desenvolvimento das primeiras culturas Neolíticas das regiões Atlânticas, embora com maior impacto directo nas zonas do leste ibérico (apresenta uma distribuição basicamente mediterrânica, particularmente na Catalunha, Valência, Vale do Ebro e Baleares). De facto, os monumentos megalíticos europeus estão frequentemente acompanhados de restos arqueológicos de cerâmica e outros artefactos provenientes desta cultura.
A data convencional para o começo do Calcolítico ibérico é de cerca de 3 000 a.C.. Nos séculos que se seguiram, particularmente no sul da Península, bens metálicos, muitas vezes decorativos e rituais, tornaram-se frequentemente comuns. Este é igualmente o período de grande expansão do Megalitismo, com as práticas funerárias associadas, que se expande ao longo das regiões Atlânticas e pelo sul da Península (além de pelo resto da Europa atlântica). Em contraste, a maioria das regiões do interior peninsular e mediterrâneas permanecem refractárias a este fenómenos. Outro fenómeno do início da Idade do Cobre é o desenvolvimento de monumentos funerários de tipo tolo e cavernas artificiais, que se encontram no sul ibérico, desde o Estuário do Tejo até Almeria (em Espanha) e ao sudeste francês. Todos estes fenómenos se inscrevem na que foi a grande linha de demarcação cultural e démica (em menor grau) ibérica em geral e portuguesa em particular — mais mediterrânica a sul e leste, mais europeia continental a norte e oeste.
Por volta de século XXVII a.C., começaram a aparecer comunidades urbanas, mais uma vez mais marcadamente no sul do território. As mais importantes de toda a Península Ibérica foram a de Los Millares (no sudeste espanhol) e a de Zambujal (pertencendo à cultura de Vila Nova de São Pedro, em Portugal), podendo já ser chamadas «civilizações», ainda que lhes falte a componente escrita.
A partir de 2 150 a.C. dá-se uma importante transformação cultural e, em parte, populacional na Península Ibérica calcolítica, com o aparecimento da Cultura do Vaso Campaniforme, de origem portuguesa em paralelo com o megalitismo. Esta cultura ao difundir-se por toda a Europa demonstra tendências de regionalização, com diferentes estilos produzidos em várias regiões, sendo os mais importantes o tipo de Palmela em Portugal e os tipos Continental e Almeriano em Espanha.
A Idade do Bronze, que se desenvolve a partir de 1 800 a.C., acentuará os processos populacionais e culturais verificados na Idade do Cobre: aumento da urbanização a sul e leste, aumento das influências centro-europeias a norte e oeste. De facto, é por volta do I milénio a.C. que se verificam as primeiras migrações para a Península Ibérica de populações claramente de língua Indo-Europeia (associadas à expansão da Cultura dos Campos de Urnas, de carácter proto-celta), e que viriam a contribuir para a Idade do bronze atlântica (cujas principais regiões parecem ter sido Portugal, a Andaluzia (Tartesso?), a Galiza e a Grã-Bretanha). Estas migrações foram mais tarde, nos séculos VII a V a.C. (já na Idade do Ferro), seguidas por outras que podem já ser claramente identificadas como celtas. É neste contexto de celtização que, a partir do século VI a.C. se deu o desenvolvimento da Cultura castreja numa ampla zona do noroeste da Península Ibérica, entre os rios Douro e Návia e a Oeste do Maciço Galaico, tendo desenvolvido um tipo muito peculiar de assentamentos, chamados castros, diferentes de outras áreas da Península.[48][49]
Os dois principais componentes dos desenvolvimentos populacionais do território português durante a Idade do Ferro foram a migração de populações celtas e o desenvolvimento da Civilização Tartéssica. Estes dois processos acentuaram ainda mais as características da paisagem cultural do Portugal de então — mediterrânico a sul do rio Tejo e continental a norte.[50]
As migrações de populações protoceltas e celtas, no seguimento da anterior expansão da Cultura dos Campos de Urnas, acentuam vincadamente o carácter indo-europeu do panorama humano na Península Ibérica, e muito particularmente o português. Trata-se, por um lado, do forte substrato protocelta (às vezes chamado pré-celta) que dará origem aos lusitanos e aos seus vizinhos vetões (no espaço dos quais se veio a desenvolver a Cultura dos berrões),[51][52][53][54] na área onde se identifica a cultura castreja e que parece estar também igualmente presente nos galaicos e ástures (embora estes últimos possam ter igualmente uma forte componente aquitânica vinda dos também misturados Cântabros). Por outro lado, trata-se da clara «celtização» da metade noroeste da Península através dos processos de expansão démica e cultural a partir do centro celtibero, que assim produz populações celtas distintas das celtiberas e que podem ser designadas como hispano-celtas (ou celtas da Península Ibérica).[55]
Desde os finais do século VIII a.C., a Cultura dos Campos de Urnas incorporou elementos da cultura celta de Hallstatt, num processo lento que esteve muito possivelmente ligado à chegada de contingentes populacionais com origem na Europa Central. De notar que, com a expansão a Leste (na zona norte da moderna Catalunha) da cultura ibera (desde 600 a.C., é substituída a zona da Cultura do Campo de Urnas fortemente "celtizada" do nordeste pirenaico), a ligação entre os celtiberos e os seus congéneres do resto da Europa corta-se. Esta separação física entre celtas da Península Ibérica e celtas continentais explica por que motivo os primeiros nunca vieram a receber as influências do período cultural de La Tène (que caracterizará os celtas "clássicos"), aí incluindo o druidismo.
A civilização tartéssica e os Cónios
A Civilização Tartéssica, com as suas origens no período final da Idade do Bronze, é uma cultura orientalizante autóctone com inícios no século VIII a.C., modificada pela influência crescente de elementos fenícios. A sua área central foi o oeste da Andaluzia, mas cedo expandiu a sua área de influência até à costa leste da Península e, no que a Portugal diz respeito, até ao estuário do Tejo, com particular incidência na zona do Algarve. Não é claro no entanto, se no Algarve a cultura era a mesma que na Andaluzia ou, apenas sob a sua influência.
A cultura tartéssica-cónia no sul de Portugal foi substituída pela forte presença Celta, resultado de processos migratórios dos Célticos, que assim «celtizaram» esta zona, bem como as populações, ligadas a Tartesso, dos turdetanos e dos cónios. Os Cónios legaram-nos o mais amplo património de escritatartéssica (na variante chamada escrita do Sudoeste) e, mesmo depois de celtizados, permaneceriam como população autónoma até à chegada dos romanos, com quem se aliaram contra, nomeadamente, os lusitanos (que acabaram por destruir a sua principal cidade — Conistorgis). Vários historiadores consideram de facto os Conii ou Cynetes (em Latim), como uma população e cultura distintas dos Tartéssios, ainda que influenciados por estes.[56] Além disso, não é consensual a designação da primeira escrita na Península Ibérica. Para muitos historiadores é a escrita do sudoeste ou sud-lusitana. Já os linguistas, utilizam as designações de escrita tartéssica ou turdetana. Outros concordam com a designação de escritacónia,[57] por não ser limitada geograficamente, mas relacionada com o povo e a cultura que criou essa escrita. E, segundo Leite de Vasconcelos com os nomes konii e Konni,[58] que aparecem inscritos com variações em diversas estelas.[59]
De notar que o florescimento tartéssico se dá no âmbito da expansão fenícia, quando esta está em confronto com a expansão e colonização grega do ocidente mediterrânico. Se a influência fenícia foi central no desenvolvimento de Tartesso, a influência grega parece ter sido igualmente central no desenvolvimento um pouco posterior da civilização ibera (igualmente uma língua isolada não indo-europeia e não aparentada com o tartéssico), no leste e sul peninsular (Catalunha, Valência, Múrcia e leste da Andaluzia). Repare-se, portanto, que nunca existiram, contrariamente ao que muitas vezes se afirma, populações iberas em parte alguma do território português.[nota 3] Da mesma forma, é de notar que não há indício algum de colonização fenícia em Portugal (com a excepção da feitoria fenícia de Abul na margem direita do rio Sado, concelho de Alcácer do Sal, distrito de Setúbal no Sul do país), assim caindo por terra os mitos da fundação fenícia de Lisboa, para não falar da ainda mais inverossímil fundação grega. É claro que excursões comerciais fenícias devem ter percorrido as costas portuguesas (de facto, pensa-se que até às Ilhas Britânicas), e que a sua provavelmente, indirecta via Tartesso, tenha tido impacto cultural.
É de notar, no entanto, que apesar da língua tartéssica ser em regra tratado como não classificada, dada a escassez de textos e falta de óbvias conexões com outras línguas — o que permanece como a visão dominante,[60][61] vários autores apresentam-na como céltica ou pelo menos fortemente celtizada. Correa,[62] Untermann[63][64] e particularmente Koch[65][66] propõem etimologias celtas para nomes tartéssicos, ou mesmo que o tartéssico era uma língua celta. Koch defende mesmo que as línguas celtas nascem no contexto cultural da idade do bronze atlântica.
Antes dos romanos
Por volta do século IV a.C., os Célticos, uma nova vaga de migração celta, penetram no território português e assentam no Alentejo com penetração até ao Algarve. Os Túrdulos e os Turdetanos, provavelmente de origem tartéssica embora altamente celtizados, estabelecem-se na área do Guadiana. Uma série de cidades do Algarve, tais como Conistorgis, Balsa (Tavira), Besuris (Castro Marim), Ossónoba (Faro) e Cilpes (Silves), são habitadas pelos Cónios, que se misturam progressivamente com os Célticos.[67][68] Os lusitanos (que, na hipótese mais moderna, se consideram protoceltas) habitam a área entre o Douro e o Tejo e começam progressivamente a penetrar no Alto Alentejo. As populações galaicas, de substrato protocelta, tornam-se progressivamente populações de língua celta.
Por volta de pouco antes de 200 a.C., mesmo antes do início da Segunda Guerra Púnica entre Roma e Cartago, o panorama populacional do território português era um que, apesar dos profundos processos migratórios e de mudança cultural, mantinha o essencial da base démica de origem paleolítica, tal como hoje em dia. Partindo dessa base paleolítica de origem continental europeia, bem como dos contributos neolíticos de origem mediterrânica, as populações de então eram etno-linguisticamente o resultado das migrações indo-europeias mescladas com o substrato não indo-europeu mais antigo.
Em 219 a.C., as primeiras legiões romanas invadem a Península Ibérica (que viriam a designar por Hispânia) no âmbito da Segunda Guerra Púnica contra Cartago (herdeiros dos fenícios na zona de influência a sul), num processo de conquista que só será terminado durante o reinado do ImperadorAugusto em 19 a.C.. Os Romanos, com forte presença militar na Península (não só devido à guerra com Cartago, mas posteriormente em processos de conquista territorial das populações ibéricas, bem como em lutas intestinas entre romanos, tais como a revolta de Sertório entre 83–72 a.C., ou a guerra civil de César entre 49–45 a.C.), acabaram por ser a mais importante influência cultural nas populações que viriam a constituir a nação portuguesa. Tal influência deveu-se ao legado maior do latim (nomeadamente o latim vulgar) como, inicialmente, língua franca de comunicação e, posteriormente, língua universal (extinguindo todas as línguas pré-Romanas que se falavam na Península, com a conhecida excepção do Basco, provavelmente originário do Aquitânio), que originou a língua portuguesa. Outra influência que se pode considerar romana, ainda que de origem não romana e numa fase muito posterior (já no século IV), foi o cristianismo. A importância romana foi não só directa, através destes e outros legados culturais, como indirecta e ainda presente, já que a Civilização Romana se constitui como uma das fontes matriciais da Civilização Europeia.
A importância de Roma não foi, no entanto, apenas cultural, já que importantes processos de colonização populacional também se verificaram, nomeadamente através da presença contínua de legiões romanas e dos estabelecimentos subsidiados de legionários após o cumprimento do serviço militar (os chamados eméritos — daí a existência de cidades assim chamadas, como Emerita Augusta, hoje Mérida, em Espanha, e antiga capital da província romana da Lusitânia).
Serão os suevos e os visigodos, portanto, as populações germânicas que definitivamente se estabelecem em território ibérico. Apesar da presença de elementos visigodos em território português,[70] que denota algum grau de povoamento (essencialmente de elite) espalhado por todo esse território, será a presença sueva a mais duradoura e com maior impacto.
Os suevos, que estabelecem um reino independente na antiga província romana da Galécia (incluindo a moderna Galiza e o território português entre os rios Minho e Douro; de notar que a fronteira sueva foi flutuante, muitas vezes se expandindo para lá do Tejo e incluindo, portanto, Lisboa), com capital em Bracara (hoje Braga), e que resistiu à anexação pelo Reino Visigótico durante quase 200 anos, foram a população germânica que mais impacto terá tido nas populações de Portugal, já que muitos deles se estabeleceram como agricultores e se disseminaram pelo conjunto da população e território.[71] A população sueva estabelecida na Galécia é estimada entre 30 a 35 000 indivíduos, isto é 6% a 12% da população total da Galécia (correspondente à metade Norte de Portugal e Galiza) de então que eram o mesmo povo.[72] Essa presença coincide também com o mais alto grau de contribuição genética germânica[73] no território atual de Portugal e Galiza em toda a Península Ibérica. A única outra região ibérica com contribuição germânica significativa é a Catalunha, devido à ocupação dos reis Francos.
Estas populações germânicas rapidamente adquiriram os hábitos, religião e língua das populações que inicialmente dominaram, ao ponto de a sua diferenciação étnico-linguística ter desaparecido, só permanecendo a pertença visigoda como elemento de distinção nobiliárquica e linhagística. Os visigodos foram, inclusive, elementos centrais de reforço da romanização mais tardia de Portugal e de toda a Península Ibérica, com a sua conversão do arianismo ao catolicismo e a promulgação de legislação, inclusive "códigos", em relativa continuidade com o Direito romano.
Os mouros
Em 711 a Península Ibérica foi invadida por exércitos Islâmicosnorte-africanos, conhecidos pela designação genérica de mouros — tratava-se essencialmente de berberes com elementos árabes. A presença e domínio islâmico na Península (chamada Al-Andalus, em árabeالإندلس ) veio a revelar-se um processo duradouro com importantes consequências civilizacionais. Se a campanha de conquista muçulmana, aproveitando-se de uma guerra civil entre diferentes facções visigodas pelo trono da Hispânia visigótica, demorou somente 8 anos, o domínio mouro em território português prolongou-se até à conquista definitiva do Reino do Algarve pelos portugueses em 1249.
De facto, foi a presença e o domínio islâmico que catalisou os processos produtores quer do Estado, quer da própria nacionalidade portuguesa, no contexto da reacção das elites e populações cristãs a que se convencionou chamar «Reconquista». Mas não pode pensar-se este processo de cinco séculos como um que tenha oposto linearmente as populações cristãs aos invasores islâmicos. Ocorreram processos de aculturação e entrecruzamento entre as populações autóctones da Península e as populações ditas «mouras». Os processos culturais foram de extrema importância: a complexidade, sofisticação e envergadura civilizacional, os contributos tecnológicos e científicos, linguísticos e literários, intelectuais, artísticos, etc., do Islão na Península Ibérica (e, por essa via, para toda a Civilização Europeia) foram de tal ordem que levam vários historiadores a falar, pelo menos para alguns dos períodos de dominação islâmica, de uma idade de ouro civilizacional, a que toda a Europa muito deveria.[74]
Além dos processos culturais, também ocorreram decerto processos démicos ou populacionais. Esta questão, a do contributo de populações mouras para o património genético das populações ibéricas modernas, levantou desde cedo muita controvérsia, não só por causa das conotações religiosas e políticas dessa presença moura no âmbito das discussões e competições nacionais e estatais intra-europeias, mas, acima de tudo, pelas conotações «raciais» dessa presença.
Desde a generalização das ideologiasracistas e racialistas europeias a partir do século XIX, o período mouro da história peninsular foi usado como argumento para desqualificar «racial» e culturalmente os povos ibéricos da sua pertença europeia. Tais argumentos equiparam essa suposta componente norte-africana dos povos ibéricos a uma componente apenas qualificada como «africana» (ou seja, tendencialmente, subsariana, isto é, «negra»). Nos mundos de língua inglesa e alemã, por exemplo, a definição de «mouro», embora não sem ambiguidades, torna o termo praticamente sinônimo de «negro». Estas construções, particularmente vindas do mundo anglófono, foram historicamente mais relevantes aquando dos processos de competição colonial entre as potências ibéricas, particularmente a Espanha e as do norte da Europa, especialmente quando tais conflitos foram replicados luta entre catolicismo e protestantismo.
Estas visões racistas e racialistas, tal como muitas outras perspectivas mais generalizadas (inclusive na própria Península Ibérica) que, ainda que não tão marcadamente discriminatórias como as anteriores, fazem dos mouros ibéricos uma população e categoria «racial» radicalmente diferente das populações autóctones ibéricas, não têm em consideração os seguintes aspectos:
As populações norte africanas (bem como os pequenos grupos de árabes, de subsarianos, de escravoseslavos, de persas, etc., a elas associadas), mesmo com os diferentes momentos de entrada dessas populações ao longo dos séculos (coincidindo em grande medida com a entrada de novos exércitos aquando dos momentos de luta interna, política ou religiosa — fitna, no Al-Andalus), foram sempre uma minoria que não terá ultrapassado os 10% do conjunto da população total.[75]
A maioria da população muçulmana da Península Ibérica era constituída por autóctones ibéricos convertidos (os chamados Muladis), isto é; a maioria dos "mouros" eram de facto europeus, ibéricos de religião islâmica.[75]
A maioria da população em zonas de domínio muçulmano, ao longo de todos os séculos de presença, não era muçulmana (com algumas excepções localizadas espacial e temporalmente), mas sim população autóctone ibérica que se manteve de língua românica e cristã (do rito visigótico), ainda que fortemente arabizada do ponto de vista cultural — os chamados moçárabes[76] (repare-se que Moçárabe, para designar a população ou a língua, é um termo moderno do século XIX — essas populações referiam-se a si próprias e à sua língua como Latinus[77]).
A maioria das populações norte-africanas que de facto se estabeleceram na Península eram berberes. Os Berberes, particularmente das regiões mais litorais, não podem ser descritos como uma população radicalmente diferente das populações sul-europeias, com as quais, aliás, apresentam ligações ancestrais.
Mesmo nas elites islâmicas, a presença de elementos conversos não era despicienda — mesmo algumas dinastias reinantes tinham origem hispano-visigótica (como os Banu Cassi, fundados pelo converso hispano-visigodo Conde Cássio).
Os processos sociais do final da Reconquista e do período seguinte instituíram sistemas de discriminação social (geridos em parte pelas autoridades religiosas) que guetizaram e até expulsaram (para o Norte de África) fatias significativas das populações ditas mouriscas (as quais de qualquer modo, tinham uma origem basicamente autóctone ibérica).
Alguns desses estudos apontam para relação parcial, ainda que pequena, entre algumas das populações ibéricas (nomeadamente do extremo sudeste da Península) e algumas populações norte-africanas. A Península Ibérica e a Sicília são as únicas regiões europeias com níveis significativos do haplotipo Y-cromossomático E-M81 (típico do noroeste africano; de notar que este e outros marcadores genéticos deste tipo estão também presentes noutras regiões da Europa — a questão é de significado estatístico das frequências).[78][79] Por outro lado, é difícil saber se estas contribuições para o genoma ibérico são o resultado dos séculos de domínio muçulmano ou de antigos processos démicos que antecedem a presença islâmica, constituindo o resultado de algum fundo populacional e migratório do Ocidente mediterrânico, como se constata quando se analisam as populações berberes norte-africanas. No caso português, pelo menos, parece ser esta claramente a situação.[80]
A maioria dos estudos genéticos verifica que a presença de elementos norte-africanos nas modernas populações ibéricas é menor quando comparada com a base ancestral pré-islâmica.[81] De facto, verifica-se uma clara descontinuidade genética entre o norte de África e a Península Ibérica, já que vários desses estudos não detectam nenhuma relação particular entre populações ibéricas (mesmo as do Sul, na Andaluzia; mais tempo submetidas ao domínio islâmico) e norte-africanas Os resultados destes estudos mostram, globalmente, que as populações ibéricas e norte-africanas se originaram em linhagens genéticas diferentes e que o Estreito de Gibraltar funcionou como uma significativa barreira ao fluxo de genes. Não só cerca de 78% dos cromossomas Y ibéricos têm origem no Paleolítico Superior e 10% nas expansões Neolíticas, também apenas 6%, no máximo, poderão ter origem norte-africana, sendo que o genoma norte-africano tem ele próprio cerca de 4% de contribuição genética europeia O domínio islâmico terá, assim, deixado uma contribuição démica mínima.
Na realidade, as populações ibéricas apresentam um grau substancial de homogeneidade e de clara pertença ao conjunto europeu de diversidade genética.[82] A clara diferenciação entre as populações do noroeste africano e da Península Ibérica sugerem que o Mar Mediterrâneo funcionou, neste caso, como uma forte barreira geográfica que restringiu os fluxos démicos, ainda que fortes factores culturais também possam ter jogado o seu papel.[82]
As minorias mouriscas e judias
A presença islâmica na Península não foi um processo pacífico, embora não tenha sido apenas um processo bélico. Desde cedo se verificaram processos reactivos por parte das elites e populações cristãs peninsulares. Tal levou à formação de entidades estatais no norte da Península, área que, de resto, pouca presença e influência islâmica teve. É desta reacção social, cultural e militar a que se convencionou chamar «Reconquista» que emergiram não só os estados ibéricos, mas também as modernas populações e identidades nacionais da Península.
Findo o domínio político e territorial islâmico, isso não eliminou totalmente a presença de populações islâmicas. Todo o processo histórico da Reconquista foi de grandes movimentações populacionais em toda a Península Ibérica — êxodos internos, conversões, re-conversões, alianças múltiplas, entrada e estabelecimento de populações «cruzadas» trans-pirenaicas (nomeadamente francesas, flamengas), etc. No essencial, no entanto, a base populacional não se alterou, sendo os processos então verificados mais culturais do que propriamente démicos. Neste sentido, do ponto de vista demográfico e de integração social, as questões mais prementes que então se colocavam eram as de, por um lado, integrar as populações cristãs do norte (de rito romano e de língua galaico-portuguesa) com as populações moçárabes do sul (de rito visigótico e língua moçárabe) — o que foi rapidamente conseguido devido à irmandade religiosa (o Cristianismo) e linguística (românico ibérico ocidental), e de, por outro lado, integrar as duas populações que maior alteridade sociocultural e religiosa apresentavam — os mouriscos de religião muçulmana e os judeussefarditas.
Existiam, portanto ainda, minorias mouriscas e judias em Portugal após o final da Reconquista. Ambas eram objecto de processos de discriminação de intensidade historicamente variável, sendo, por exemplo, obrigadas à residência circunscrita quando residentes em zonas de povoamento urbano (as chamadas judiarias e mourarias), bem como, nalguns momentos históricos, a indumentária específica facilmente identificável. Isso com certeza, contribuiu para um declínio e eventualmente êxodo destas minorias.
Os mouriscos eram essencialmente populações de religião islâmica (mas muitas vezes de língua românica) que, como acima se viu, descendiam basicamente de populações Muladis, ou seja, de grupos autóctones ibéricos europeus, convertidos ao Islão durante os longos séculos de domínio muçulmano. Tratar-se-ia de populações pouco numerosas, pobres, concentradas especialmente em Lisboa, Setúbal, Évora e Algarve.[84]
Os judeus portugueses, maioritáriamente do subgrupo dos judeus sefarditas, eram uma presença mais antiga na Península, talvez remontando aos tempos romanos tardios, claramente documentada desde 482[85] e fortemente atestada desde os tempos visigóticos. Esta sempre foi uma minoria com um lugar problemático nas sociedades ibéricas (tal como nas europeias em geral), devido às particularmente fortes tendências anti-semitas que cedo se fizeram sentir no Cristianismo. A situação dos judeus em Portugal oscilou entre períodos de relativa tolerância até períodos de forte perseguição. Não se sabe qual a percentagem da população portuguesa que poderia ser judia nos finais da Idade Média (séculos XIV e XV), em 1492 e mesmo após a ordem de expulsão e conversões forçadas em massa ordenadas pelo rei Dom Manuel I em 1497. A fuga de muitos judeus portugueses para outros países europeus (Países Baixos, França, Inglaterra) bem como os países islâmicos do Mediterrâneo (Norte de África e Império Otomano), foi-se verificando ao longo dos séculos seguintes, já que a ordem de expulsão e conversões forçadas manuelinas, que também afectaram os mouriscos, não acabaram com os processos de controlo social e administrativo, nem com as perseguições e discriminações étnico-religiosas (como o Massacre de Lisboa de 1506).
A criação do estatuto diferenciado de cristão novo (com menos regalias sociais do que os cristãos velhos, aplicado aos descendentes e que subsistiria até 1772), no âmbito dos códigos de Limpeza de sangue que se instituíram em toda a Península Ibérica, bem como o surgimento da Inquisição Portuguesa em 1536 (que duraria até 1821) e a obrigatoriedade de elementos distintivos de vestuário para cristãos novos, impôs um esquema de forte segregação e perseguição social que levou, a longo prazo, à extinção das comunidades judias (com a demograficamente insignificante excepção das comunidades marranas de cripto-judeus, em Belmonte e pouco mais), quer por assimilação, quer principalmente por êxodo.
A questão central no que concerne a origem populacional dos portugueses é que, mesmo que tivessem ficado estas minorias judias e mouriscas em percentagem relevante após a Reconquista, tal não alteraria, como não alterou, as características do espectro démico português, já que, por um lado, os mouriscos tinham uma origem essencialmente ibérica e, por outro, também a tinham os judeus ibéricos (cuja origem remota se encontra na presença de minúsculas populações judias vindas do Médio Oriente ou doutros locais do Império Romano cuja expansão demográfica se deveu a influxos populacionais ibéricos, bem como, no essencial, à conversão de autóctones[86]).
A escravatura africana (subsariana)
A presença africana subsariana resultante dos processos da escravaturaatlântica tem sido alvo de debates e polémicas. Não só em relação a Portugal, mas igualmente em relação ao resto da Europa Ocidental,[87] isto porque havia um tráfico regular de escravos africanos não só de Portugal para Espanha, como para o resto da Europa.[88] No século XVI os escravos africanos tinham já substituído todos os outros grupos étnicos e religiosos de escravos nos mercados de escravos europeus ocidentais.[89] Não só foi tradicionalmente difícil quantificar o número de escravos «negros» em território português, também sempre foi difícil estimar, dadas nomeadamente as assimetrias na composição sexual das populações escravizadas, a taxa de reprodução dessas populações (por oposição, em especial, à sua substituição por novos contingentes importados). Este tema foi e é igualmente alvo de discussões de carácter político dadas a exageros, desde tentativas bem fundamentadas de reabilitação do papel dos africanos na história portuguesa,[90] até visões racistas que pretendem, pela visão negativa das populações africanas, discriminar Portugal e os Portugueses.[91] No entanto, até a antiga e desacreditada antropologia físicaracialista recusava a ideia de que se tivesse verificado um significativo influxo de populações subsarianas em Portugal.[92] Assim, não existe qualquer prova que em Portugal ou resto da Europa Ocidental, historicamente com domínios coloniais no passado; tenham sido deixadas marcas genéticas subsarianas de relevância[93] resultantes dos processos da escravatura.
É hoje sabido encontrarem-se marcadores genéticos subsarianos em todo o continente europeu, desde a Península Ibérica ao Báltico. Esses marcadores têm sido encontrados nomeadamente na Alemanha, Dinamarca, Grã-Bretanha, Finlândia, Sardenha, Sicília, Grécia, etc. Um estudo de 2005[94] encontrou frequências do haplogrupo de ADN Mitocondrial L (de origem subsariana) em 0,62% de uma amostra Dano-Alemã, 1% numa amostra Britânica, 3,83% numa amostra Ibérica (Portugueses e Espanhóis), 2,38% numa amostra Albanesa, 2,86% numa amostra da Sardenha e 0,94% numa amostra siciliana. Por seu lado, os haplogrupos Y-cromossomáticos de origem africana E e A foram detectados em Portugal (2%), França (2,5%), Alemanha (2%), Sardenha (1,6%), Áustria (0,78%), Itália (0,45%), Espanha (0,42%) e Grécia (0,27%).[42][95][96][97][98][99][100][101]
A explicação provável para a existência de linhagens subsaarianas em Portugal é a escravatura moderna (séculos XV a XVIII), o que se torna ainda mais lógico quando essas linhagens sejam mais frequentes nas ilhas que foram povoadas nesse período, os arquipélagos dos Açores[102][103][104] e da Madeira,[80][105][106] que, mesmo assim, não apresentam grandes diferenças com Portugal Continental, de onde a maioria das linhagens genéticas provém (particularmente do Norte[107]), nem em relação às distribuições típicas da maioria das populações da Europa Ocidental.
A estrutura genética da população portuguesa
Os dados sobre a composição genética dos Portugueses apontam para a sua fraca diferenciação interna e base essencialmente continental europeiapaleolítica.[108]
Todos estes processos populacionais terão deixado a sua marca, ora mais forte, ora só vestigial. Mas a base genética da população relativamente homogénea[110] do território português, como do resto da Península Ibérica, mantém-se a mesma nos últimos quarenta milénios: os primeiros seres humanos modernos a entrar na Europa Ocidental, os caçadores-recolectores do Paleolítico.
Processos migratórios modernos
Os processos migratórios que afectaram o território e população portuguesas não terminaram com os fluxos demográficos produzidos pela expansão colonial. Além de processos de menor escala e impacto, tais como o estabelecimento de uma multiplicidade de indivíduos isolados e de pequeníssimas comunidades de origem europeia (maioritariamente da Europa Ocidental, nomeadamente por razões de negócios), como alguns Italianos, Franceses e Flamengos (entre outros ainda de menor monta) durante os primórdios dos Descobrimentos, ou de comunidades Britânicas, particularmente no trato dos vinhos do Porto e da Madeira, a permanência de estrangeiros no território português (como na época das cruzadas, no repovoamento do território após a reconquista), ou igualmente a permanência durante pelos menos uma década de exércitos franceses e britânicos durante as Guerras Napoleónicas, os processos migratórios mais relevantes deram-se das últimas três décadas do século XX para cá, com a notável excepção da entrada de grupos Ciganos ainda no século XV. Mas, de facto, é no pós 1974 que Portugal se torna, na sua história moderna e contemporânea, um receptor significativo de populações migrantes, quer como resultado directo ou indirecto dos processos de descolonização, quer como resultado da entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia, e de todas as transformações sócio-económicas e culturais que produziu no país.
Os "Retornados"
Após a Revolução de 25 de Abril de 1974 e os processos de descolonização das então chamadas Províncias Ultramarinas (Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Timor — esta última a única não africana), a instabilidade social, política e militar nessas colónias levou a que a esmagadora maioria da população etnicamente portuguesa desses territórios (essencialmente estabelecida nas duas grandes colónias, Angola e Moçambique), de resto esmagadoramente estabelecida muito recentemente desde 1961 (data que coincide com o início da Guerra Colonial e o subsequente grande incentivo por parte do Estado Novo ao povoamento europeu das colónias africanas), retornasse ao território europeu português.
A integração desses "retornados" foi, nas palavras do sociólogo Rui Pena Pires,[111] um sucesso extremo de assimilação, apesar de alguns problemas sociais e de alguma discriminação inicial (comprovada, aliás, pela própria carga negativa, pelo menos então, da categoria "retornado"), o que demonstra a não diferenciação étnica das populações portuguesas do chamado ultramar em relação à "metrópole", bem como, dada a sua recentíssima expatriação, a sua integração em redes sociais coesas, como as familiares e de parentesco, que permitiram a sua rápida absorção e distribuição pelo conjunto do território nacional sem que se verificassem fenómenos persistentes de guetização e discriminação.
Portugal de um país de que durante grande parte da sua história moderna foi considerado globalmente um país de emigração, tornou-se nas últimas três décadas um país de imigração. De facto, além de populações com origem na União Europeia e no resto da Europa, Portugal tem vindo a receber em número crescente populações migrantes com origem em África (com óbvia relevância para as ex-colónias) e no Brasil, além de uma multiplicidade demograficamente menos significativa de outras origens, entre as quais se avoluma a Chinesa.
É difícil quantificar o número de estrangeiros em Portugal, até pela existência de imigrantes em situação ilegal e não registada, e ainda mais difícil de quantificar o número daqueles que, tendo nacionalidade portuguesa, podem ser considerados como membros de minoriasétnicas.
No respeitante aos cidadãos estrangeiros residentes com situação regularizada,[112] para 2006,[113] estima-se residirem de forma legal em Portugal menos de meio milhão de estrangeiros (concentrados em Lisboa, Faro, Setúbal e Porto), avultando as comunidades Brasileira, Cabo-Verdiana e Ucraniana.
Olhando para dados agregados por continente de origem (ver tabela ao lado com dados provisórios do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras português para 2006[114]), constata-se serem as comunidades mais importantes as europeias, seguidas das africanas, as americanas e finalmente as asiáticas. De facto, a importância demográfica destas populações é crescente no respeitante ao crescimento da população residente em território português,[115] ainda que não se possa considerar que Portugal tenha uma percentagem elevada de população estrangeira quando comparado com outros congéneres europeus.[116]
É claro que muitos residentes em Portugal categorizados enquanto minoria étnica em termos das relações sociais mais alargadas não estão representados nestes dados (o caso mais patente é o dos ciganos, tratado mais abaixo, mas também o dos goeses ou comunidades com origem no subcontinente indiano e que chegaram a Portugal no contexto da descolonização, tendo, portanto, nacionalidade portuguesa). E a presença de populações estrangeiras não significa por si só processos de assimilação na população portuguesa em geral. De facto, desde os anos 1970, os processos de discriminação e de etnização das relações sociais em Portugal têm-se vindo a acentuar, com particular destaque para a discriminação das populações de origem africana e brasileira, mesmo mais que populações que não têm como língua de origem o português (nomeadamente os Ucranianos).[117][118][119] Tal deve-se a múltiplos factores, desde institucionais e jurídicos (note-se que se a lei da nacionalidade de 1959 se baseava no direito de solo, as mudanças de 1975 e 1981 impuseram o princípio do direito de sangue, retirando a possibilidade de naturalização a filhos e netos já nascidos em Portugal de imigrantes, com todas as dificuldades de acesso à cidadania plena daí resultantes; esta situação legal só muito recentemente veio a ser algo alterada, mantendo-se todavia a primazia do direito de sangue), a socioculturais (decorrentes da percepção estigmatizante da diferença), bem como económicos (o acantonamente das principais comunidades migrantes em profissões relativamente desqualificadas), além de residenciais (a concentração geográfica em bairros degradados e guetizados, particularmente no caso das comunidades de origem africana). Estes processos são aliás concomitantes com o reforço de uma visão crescentemente étnico-racial da identidade nacional por parte dos Portugueses, mesmo nas gerações mais novas.[120][121][122][123]
A comunidade judia
Se a originária comunidade judia portuguesa foi praticamente extinta com os processos sociais, políticos e religiosos de perseguição dos séculos XV a XVIII (com a excepção de minúsculas comunidades isoladas de Marranoscripto-judeus), a partir do século XIX dá-se uma reconstituição de uma pequena comunidade judia em Portugal.
Hoje em dia não se verificam processos discriminatório relevante em relação à pequena comunidade judia portuguesa, ainda que ataques isolados contra a comunidade se tenham verificado, tal como os actos de vandalismo perpetrados no Cemitério Judaico de Lisboa em 2007 (com a profanação de campas através da pintura de cruzes suásticas). A memória da perseguição aos judeus continua presente, e levou a que, em 1987, o então Presidente da República, Mário Soares, pela primeira vez na História de Portugal, pedisse oficialmente perdão às comunidades judias de origem portuguesa pela responsabilidade de Portugal na Inquisição e nas passadas perseguições antijudaicas.
A presente comunidade judaica é uma mescla entre judeussefarditas de remota origem portuguesa, retornados a Portugal durante o século XIX (nomeadamente de Gibraltar, Marrocos e Império Otomano), cripto-judeus, finalmente praticantes públicos da sua religiosidade e retornados ao seio do Judaísmo institucionalizado (como os de Belmonte), e alguns judeus asquenazes, no essencial resultantes de algumas parcas decisões de estabelecimento em Portugal aquando do êxodo, através de Lisboa, ao Nazismo.
Os ciganos
A presença de comunidade ciganas em Portugal remonta à segunda metade do século XV, originários remotamente do norte da Índia e chegando ao território português por via continental europeia. Desde cedo, devido à sua diferença sociocultural e ao seu modo de vida nómada, os Ciganos foram objecto de fortíssima discriminação e perseguição em Portugal, como, aliás, em toda a Europa. As ordens de expulsão do território sucederam-se sem nunca terem conseguido apagar a sua presença.[125]
O número de Ciganos em Portugal é de difícil quantificação. Segundo dados da Comissão Europeia contra o Racismo e Intolerância do Conselho da Europa[126] seriam cerca de 50 000 espalhados por todo o país. Existem, no entanto, estimativas diferentes, como a da organização SOS Racismo,[127] que num inquérito de 2001, junto de 186 Câmaras Municipais, contabilizou somente um total 21, 831 indivíduos de etnia cigana.
A maioria das populações Ciganas em Portugal têm hoje um modo de vida sedentário, concentrando-se nos grandes aglomerados urbanos, e caracterizando-se pelos baixíssimos níveis de escolarização, pela exclusão social generalizada e por contextos residenciais precários (em bairros degradados de barracas). Segundo o relatório da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância,[128] os Ciganos são o grupo étnico que os Portugueses mais rejeitam e discriminam, sendo igualmente alvo de discriminação institucional por parte do Estado, nomeadamente ao nível das municipalidades, sendo-lhes levantadas dificuldades persistentes no acesso ao emprego, ao alojamento e aos serviços sociais, bem como na relação com as forças policiais. Globalmente a sua situação tem sido de exclusão social.[129][130][131][132][133]
Diáspora portuguesa
Portugal foi tradicionalmente uma terra de emigração: desde os processos de expansão imperial e colonização, passando pelo povoamento das Ilhas Atlânticas, pela colonização do Brasil (onde a maioria da população tem ancestralidade portuguesa;[134] ver Luso-brasileiro e Imigração portuguesa no Brasil) e dispersão noutras partes do Império (onde se formaram comunidades de origem parcialmente portuguesa, cultural — como em Goa os Goeses católicos, em Ceilão os Burghers portugueses, em Malaca os Cristang e em Macau os Macaenses; além das elites portuguesas ou mistas nas colónias africanas e em Timor); a emigração económica para o Brasil já no século XIX e primeira metade do XX, bem como, em menor medida, para outras regiões da América (Estados Unidos da América, Canadá, Caraíbas, Havai); a emigração económica e política a partir de 1960, essencialmente para os países mais desenvolvidos da Europa Ocidental (Suíça, Alemanha, França e Luxemburgo), bem como a emigração madeirense para a África do Sul e Venezuela e açoriana para os Estados Unidos e Canadá. Todos estes foram processos que produziram a existência de comunidades portuguesas fora de Portugal. É claro que, com o passar dos tempos e gerações, aqueles que inicialmente eram portugueses deixam de o ser, passando a ser americanos, canadianos, sul-africanos, brasileiros, venezuelanos, franceses, australianos etc. Ainda que, no âmbito das diferenciações étnicas desses países, possam ser categorizados como "portugueses" (luso-americanos, luso-brasileiros, luso-franceses, etc.). Contudo, as comunidades da diaspora portuguesa sentem geralmente um forte vínculo à terra dos seus antepassados, à sua língua, à sua cultura e aos seus pratos nacionais e particularmente ao bacalhau.[135]
Além dos cerca de dez milhões de portugueses residentes em Portugal, presume-se existirem quase cinco milhões mais espalhados pelo mundo,[136] quer de primeira geração, quer luso-descendentes recentes, formando assim um total de cerca de quinze milhões de portugueses.
De acordo com dados da Direcção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas do Ministério dos Negócios Estrangeiros português,[137] os países com maiores comunidades portuguesas são, por ordem crescente de importância demográfica, a França, o Brasil e os Estados Unidos (caso se considerem, no cômputo dos luso-americanos, aqueles que descendem de portugueses em graus variados).
↑Não contabilizando os 500 000 cidadãos estrangeiros.
↑Cinco milhões de netos de emigrantes podem tornar-se portugueses[2]
↑Este lapso recorrente deve-se, porventura, à confusão entre iberos e ibéricos - os primeiros são as populações de língua ibera do leste e sul peninsular, o segundo termo designa qualquer população (ibera, lusitana, celta, aquitana, tartéssica, etc.) proveniente de qualquer parte da Península. Esta confusão é muitas vezes ampliada exactamente pela falta de designação clara para as populações não indo-europeias da maioria da Península. A notoriedade dos iberos faz, assim, com que o seu nome seja erradamente utilizado para designar populações que de ibero nada tinham, embora fossem, claramente, populações ibéricas (nome que, aliás, pode ser utilizado para caracterizar e qualificar os modernos portugueses e espanhóis).
↑Ver, nomeadamente, Barry Cunliffe: Iron Age Communities in Britain (1974); The Celtic World (1987); The Ancient Celts (1997); The Oxford Illustrated History of Prehistoric Europe (2001); Facing the Ocean: The Atlantic and Its Peoples, 8000 BC to AD 1500 (2001).
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↑Mesmo um antropo-biólogo como Carlton Coon escrevia, no seu The Races of Europe (1939), que "On the whole, the absorption of negroes by the Portuguese has had no appreciable effect on the racial position of the country "
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↑Seja qual for a modalidade de regularização legal da residência. Repare-se que nos dados que se seguem não estão incluídos, além de obviamente as pessoas em situação irregular, os cidadãos da União Europeia que, encontrando-se em Portugal, não desenvolveram os processos de regularização de residência, nomeadamente pela sua estadia ser a prazo limitado (como no caso cada vez mais relevante dos estudantes universitários europeus em sistemas de intercâmbio académico por prazos não superiores a 1 ano).
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