Com a função de abastecimento de água potável e de escoamento das águas servidas, o seu aproveitamento como força-motriz para os estabelecimentos manufatureiros fez com que, históricamente, tenha sido um dos elementos que permitiu o povoamento e o desenvolvimento do núcleo urbano, em termos económicos e sociais. Desativada na década de 1950, atualmente são visíveis apenas alguns de seus troços, estando em discussão a sua revitalização e aproveitamento turístico.
História
O primeiro capitão do donatário da ilha, Jácome de Bruges, possivelmente demovido pela orografia em torno da baía de Angra, preferiu estabelecer o primeiro núcleo de povoamento na Praia, já em 1450.
Foi Álvaro Martins Homem quem terá reconhecido as possibilidades de aproveitamento das águas profundas e abrigadas da baía de Angra como porto. Terão contribuído para essa decisão os cursos d'água abundantes, oferta complementada por outros, que se precipitavam sobre a baía vizinha a leste, que delas recebeu o nome - baía das Águas.
Os primeiros habitantes de Angra fixaram-se no alto do Corpo Santo, sobranceiro ao porto. Paralelamente, Martins Homem deu início à levada da chamada "Ribeira dos Moinhos", em seu curso fazendo instalar doze moinhos, cujos rendimentos lhe pertenciam, conforme Carta-régia.
Desse modo, as águas que desciam da serra do Morião, passaram a ser captadas e desviadas para uma levada em declive suave que se desenvolvia em curva, num leito artificial de pedra lavrada. O curso d'água ganhava volume no alto de São João de Deus alargando-se no pântano que existiu nos terrenos onde hoje se abre a praça Velha. Na altura do atual Alto da Memória as suas águas alimentavam o primitivo Castelo dos Moinhos, primeira fortificação de Angra, erguida na passagem da década de 1460 para a de 1470. A julgar pelos nomes das antigas ruas, ao longo da nova levada implantaram-se doze moinhos, algumas alcaçatarias para tratamento de couros e peles, e um pisão de linho ou mesmo de pastel. Essa informação é confirmada pelas Cartas-régias de 1474, que doaram a capitania de Angra a João Vaz Corte-Real e a capitania da Praia a Martins Homem, estabelecendo uma compensação para este último por conta das moinhos que ali feito com "grandes despesas" e que teria que abandonar.
Nos séculos XV e XVI, a economia da cidade era dinamizada pela produção de farinha, têxteis, mobiliário, construção e reparação naval. Dos doze moinhos existentes no século XVI, contavam-se em 1956, ano de sua desativação, quarenta e dois, muitos azenhas e os demais de rodízio.
"Afora a ribeira do Telhal, que corre pela parte do oriente, perto da freguesia da Conceição, pelo meio desta cidade corre outra grossa ribeira de água, a qual vem ter ao porto, com que se regam muitos jardins que nela há e moem doze moinhos dentro, na cidade, que são serventia de toda esta parte do sul, a qual ribeira procede de várias fontes, que estão quase uma légua da cidade contra uma grande serra [serra do Morião], e ao pé dela mesma nasce outra fonte [Nasce Água], de muito cópia água, com arca fechada, da qual por canos vem ter à cidade e se reparte por quatro principais chafarizes, afora outro que sai junto do cais, donde se provêem todos os navegantes e armadas; e além disso, se reparte por todos os mosteiros e algumas casas principais, com que fica a cidade muito fresca e abundante; de modo que são por todos doze chafarizes (...)."
Moinho da Janela - gerido por Sebastião Roiz (ou Rodrigues);
Moinho da Cova - gerido por André Dias;
Moinho do Picão - gerido por Manoel Fragoso;
Moinho do Rego - gerido por António de Sousa;
Moinho da Madeira - gerido por Francisco Ferreira;
Moinho da Calçada - gerido por João da Costa;
Moinho Novo - gerido por Manoel d'Almeida;
Moinho de São João de Deus - gerido por Manoel d'Almeida;
Moinho do Muro - gerido por Nicolau Machado;
Moinho das Duas Portas - gerido por Manuel Fernandes Carvalhal;
Moinho da Calçadinha - gerido por Manoel Raposo;
Moinho da Fabia - gerido por Manoel Fernandes.
Parte das águas da ribeira de Angra foi desviada posteriormente para o Alto das Covas, descendo para a cidade por meio de "arquinhas" (arcos). Em 1600, o chamado "Cano Real" garantiu que parte dessa água chegasse ao Castelo de São João Baptista.
Em 1956 o multisecular curso de água foi desviado para alimentar as duas centrais hidrelétricas construídas para fornecer energia elétrica à cidade a Angra. Na ocasião os antigos moleiros ganharam motores elétricos e a ribeira acabou por vir a secar.
Características
O curso d'água nasce na serra do Morião, sobranceiro ao outeiro.
O seu enrocamento, em cantaria de pedra aparelhada, estendia-se do alto de São João de Deus até ao centro da cidade, desaguando na baía de Angra.
Alimentava o antigo Matadouro, na altura da moagem na atual rua do Pisão.
São visíveis trechos nas traseiras do antigo Convento de São Francisco, atual Museu de Angra, onde ainda se observam duas canalizações:
uma superior, destinada à água potável (que atendia a diversos chafarizes);
uma inferior, destinada às "àguas sujas".
Acima do chamado "Tanque do Preto" (antigo reservatório de água do convento), embora a canalização tenha desaparecido, são visíveis as ruínas dos moinhos que as aproveitavam.
Notas
↑Além destes doze, a mesma fonte cita a existência de mais 24 na Terceira: 13 na freguesia de São Sebastião, 8 na da Agualva, e 3 na das Quatro Ribeiras.
Bibliografia
MESSIAS, Rui. Ribeira de Angra: Água que deu vida à urbe. Revista DI, nr. 320, 24 Mai. 2009, p. 4-11.