O Movimento Zero terá surgido em maio de 2019,[2] como reação à condenação de agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) da esquadra de Alfragide por sequestro e agressões a jovens negros da Cova da Moura.[3] Nascido em esquadras da periferia de Lisboa, encontrava-se também bem implantado no Porto e Braga. Fez a sua primeira aparição a 12 de julho de 2019, em Lisboa, na cerimónia de aniversário da PSP, vestindo T-shirts brancas, tendo voltado as costas quando o director nacional da PSP começou a discursar.[4]
A 23 de outubro de 2019, o Movimento Zero criou um sítio eletrónico alojado na Amen, em nome de "titular confidencial".[6]
No início de novembro, a página de Facebook do Movimento, alegadamente dinamizado por elementos da PSP e da Guarda Nacional Republicana (GNR) sob anonimato, ultrapassou os cinquenta mil seguidores, aumentando esse número em cerca de 166% apenas nos dois meses anteriores, sendo então a oitava página de propaganda política mais ativa no conjunto seguido pelo centro de investigação do MediaLab do ISCTE, que trabalha com o Diário de Notícias na monitorização de propaganda e desinformação nas redes sociais. A rede de influência no Facebook era calculada, então, em mais de quinhentos mil utilizadores da plataforma.[6]
Em julho de 2020, a página de Facebook do Movimento fez uma publicação, visando uma crónica assinada por Carmo Afonso, cronista do Expresso, a qual foi ativamente promovida pela GNR. A promoção terá sido feita de forma não oficial, tendo a GNR assegurado que procederia a uma investigação sobre o caso.[4][7]
Em dezembro de 2020, a página de Facebook contava com mais de 76 mil seguidores.[8]
Em novembro de 2019, segundo um militar de Viseu que participava na manifestação de 21 daquele mês, o Movimento está "muito bem organizado", funcionando num grupo da rede Telegram, onde quem entra tem de ser polícia e é previamente escrutinado.[9]
Em junho de 2020, o Movimento começara a identificar pessoas que nas redes sociais criticam as polícias, exibindo as suas fotos e nomes, no que foi descrito como óbvia tentativa de intimidação.[3]
Segundo a jornalista Fernanda Câncio, em artigo publicado em junho de 2020, as publicações que o Movimento tem vindo a colocar nas redes sociais incluem várias notícias falsas, inclusive falsificações grosseiras e tentativas de burla, com teor que indicia tratar-se não de um grupo de polícias anónimos, mas de "rufiões aldrabões a bordejar o crime", "com sucessivas ameaças ao Estado de Direito e à ordem democrática.[3]
Manifestações
Uma manifestação de polícias, marcada para 21 de novembro de 2019, foi desde logo classificada pelas autoridades como de alto risco, devido à adesão do Movimento Zero.[6] O protesto, organizado pelos dois maiores sindicatos da PSP e da GNR, a Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP) e a Associação Profissional da Guarda (APG), foi desde o início dominado por manifestantes com t-shirts do Movimento Zero, gritando a palavra de ordem "Zero! Zero!" numa caminhada entre o Marquês de Pombal e a Assembleia da República. André Ventura, líder e deputado do partido Chega, foi o único político a subir ao carro de som da organização da manifestação, vestindo uma t-shirt do Movimento Zero, discursando em seguida, deixando clara a cumplicidade e proximidade entre o movimento de polícias anónimos e o partido populista de extrema-direita. No discurso Ventura gritou palavras de apoio e incentivo, sendo recebido com uma chuva de aplausos e de gritos sonoros "Ventura! Ventura!".[9]
Na mesma manifestação ficou igualmente consolidado o gesto adotado como símbolo do Movimento Zero, conhecido como OK, constituído pelo polegar e o indicador juntos a formar um zero, com os outros três dedos levantados, também utilizado por supremacistas brancos e organizações de extrema-direita. Nos Estados Unidos o gesto foi incorporado pela Liga Antidifamação, organização que denuncia e combate o racismo e o antissemitismo, na sua lista de símbolos de ódio, ao lado de outros utilizados por grupos racistas e xenófobos, como a suástica. O gesto foi igualmente usado pelo atirador neozelandês de extrema-direita, Brenton Tarrant, que matou 49 pessoas numa mesquita, quando entrou no tribunal. Confrontados com esse significado pelo Diário de Notícias, alguns dos manifestantes que faziam o gesto afirmaram desconhecer esse significado, usando-o apenas para significar o zero.[9]
O Movimento Zero ignorou o comunicado dos organizadores da manifestação, entre os quais a ASPP e a APG, apelando aos partidos políticos e deputados que restringissem o apoio exclusivamente aos debates e à pressão política dentro da Assembleia da República e das autoridades responsáveis, e em atitude de claro desafio, dirigiu um convite direto aos partidos com representação parlamentar para participarem na manifestação, juntando-se a ela, junto às escadarias do Palácio de São Bento, possivelmente já a preparar a receção a André Ventura. Apesar do apelo, ainda no início da manifestação, quando já era notória a maioria de t-shirts do Movimento Zero, César Nogueira, presidente da APG, afirmou que não o incomodava que a manifestação fosse capturada pelo Movimento Zero, já que muitos dos seus membros são associados da APG, partilhando as mesmas preocupações e reivindicações.[9]
A associação dos agentes de segurança ao Movimento Zero foi então explicada como uma posição de indignação e revolta para com o Estado português, devido às condições de trabalho, justificando o anonimato como forma de evitar perseguições por parte da estrutura hierárquica.[9]
Em janeiro de 2020, os sindicatos policiais haviam se demarcado do Movimento Zero, não aderindo às manifestações convocadas para 21 desse mês.[10] Isolado, o Movimento Zero não logrou concentrar mais que meia centena a cem manifestantes junto ao Aeroporto de Lisboa, num protesto silencioso, no qual participou António Ramos, antigo presidente do Sindicato dos Profissionais de Polícia e um dos fundadores do sindicalismo em Portugal. Foram marcados protestos para os aeroportos do Porto, Faro e Madeira. Todos os manifestantes se recusaram a falar com os jornalistas, exceto António Ramos, que apontou como motivo das manifestações os baixos ordenados da PSP, "próximos do salário mínimo nacional", o corte nas reformas e a "falta de agentes nas esquadras". Devido à manifestação, o dispositivo policial no Aeroporto de Lisboa foi reforçado.[11]
No aeroporto de Faro, o protesto do Movimento Zero reunia às 11:00 aproximadamente vinte pessoas, concentradas junto às partidas da aerogare, sem ostentarem cartazes ou as camisolas brancas que identificam o movimento, havendo também aí reforço policial devido à concentração, estando também presentes elementos da Unidade Especial de Polícia da PSP. No aeroporto Sá Carneiro, no Porto, pelas 10:45 não havia qualquer protesto organizado, mas apenas um grupo de pessoas que se declarou solidária com o Movimento Zero, sem se identificar. No aeroporto da Madeira não chegou a haver qualquer vigília.[11]
Três dias depois, o Movimento Zero cancelou as manifestações, reconhecendo a fraca adesão, encerrando temporariamente o site para um "período de reflexão".[2]