Todos eles relatam que, durante a Última Ceia com seus apóstolos, Jesus profetizou que Pedro iria negar conhecê-lo, afirmando que ele o renegaria antes que o galo cantasse na manhã seguinte. Após a prisão de Jesus, Pedro de fato negou conhecer Jesus três vezes, mas, após a terceira, ele ouviu o galo e se lembrou da profecia quando Jesus se virou e olhou diretamente para ele. Pedro então começou a chorar amargamente.[2] Este incidente final é conhecido como o Arrependimento de Pedro[3] e ambos os incidentes foram retratados inúmeras vezes na arte cristã.
«Disse-lhe Pedro: Ainda que sejas para todos uma pedra de tropeço, nunca o serás para mim. Declarou-lhe Jesus: Em verdade te digo que esta noite, antes de cantar o galo, três vezes me negarás. Replicou-lhe Pedro: Ainda que me seja necessário morrer contigo, de nenhum modo te negarei. Todos os discípulos disseram o mesmo.» (Mateus 26:33–35)
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Na mesma noite, Jesus foi preso. A primeira negação, para uma criada do sumo-sacerdote, foi relatada por Lucas assim:
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«Prendendo-o, eles o levaram e introduziram na casa do sumo sacerdote; e Pedro ia seguindo de longe. Eles, tendo-se acendido fogo no meio do pátio, sentaram-se, e Pedro sentou-se no meio deles. Uma criada, vendo-o sentado ao lume, o encarou e disse: Este também estava com ele. Mas Pedro negou, dizendo: Não o conheço, mulher.» (Lucas 22:54–57)
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A segunda negação, para a mesma criada, foi relatada por Marcos:
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«e vendo-o a criada, tornou a dizer aos que ali estavam: Este é um deles. Mas de novo o negou.» (Marcos 14:69–70)
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A terceira, agora para diversas pessoas, é mais enfática, pois acaba praguejando e jurando em falso. Em Mateus:
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«Logo depois se aproximaram de Pedro os que ali estavam e disseram-lhe: Também tu és certamente um deles, pois até a tua fala o revela. Então começou a praguejar e a jurar: Não conheço esse homem.» (Mateus 26:73–75)
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Após esta derradeira negação, Jesus se vira para Pedro e ele relembra da profecia e se arrepende. De acordo com Lucas:
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«Logo, estando ele ainda a falar, cantou o galo. Virando-se o Senhor, olhou para Pedro. Pedro lembrou-se da palavra do Senhor, como lhe havia dito: Hoje antes de cantar o galo, três vezes me negarás. E saindo para fora, chorou amargamente.» (Lucas 22:60–62)
Durante grande parte do período de três anos que Jesus esteve pregando para seus discípulos e para o povo, ele foi observado, criticado e assediado por acadêmicos e sacerdotes judeus. Seus ensinamentos por vezes pareciam heréticos (perante o judaísmo) e suas ações, ao juntar um grande grupo de discípulos, podiam ser vistas com um viés político. A prisão e os julgamentos de Jesus foram o ápice desta antipatia.
Pedro foi um dos doze apóstolos que se aproximou mais de Jesus. Suas negações foram respostas às acusações de que ele estaria "com Jesus", o termo indicando o laço de mentoria. O Evangelho de Mateus afirma que Pedro negou Jesus "na frente de todos", tendo assim feito do público testemunhas. Por todo o seu evangelho, Mateus reforça a importância deste testemunho como um elemento essencial da relação entre o mestre e o discípulo, como em «Portanto todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai que está nos céus; mas aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai que está nos céus.» (Mateus 10:32–33) A negação de Pedro estaria então em conflito direto com a sua condição de discípulo na visão deste evangelista.[5]
As descrições da Negação de Pedro no Novo Testamento retratam bem o drama do incidente. Os antagonistas de Pedro na discussão progridem da criada sozinha para ela com um passante e terminam com a multidão toda acusando-o. Sua negação também progride de uma alegação de ignorância para uma negação com um juramento e termina com pragas e juramentos com a negação completa de que ele sequer conhecia Jesus. O canto do galo então traz a Pedro, agora em choque, a lembrança de que Jesus, seu mestre e mentor, havia predito suas três negações.[6]
Este episódio tem sido visto como o incidente que lança luz sobre o papel singular de Pedro e o coloca à parte dos demais apóstolos, exatamente como em Marcos 16:7, onde o anjo pede às mulheres que "Mas ide dizer a seus discípulos e a Pedro que ele vai adiante de vós para a Galileia" após a ressurreição de Jesus.[7] Neste episódio, e também em outros no Evangelho de Marcos, Pedro age como o foco dos apóstolos e uma imagem cristológica essencial se apresenta: as negações de Pedro contrastam com as francas confissões de Jesus no julgamento pelo Sinédrio, demonstrando a sua fidelidade como profeta, Filho de Deus e Messias.[8]
Com relação às lágrimas derramadas por Pedro quando ele se arrependeu e no contexto do sacramento da confissão, Ambrósio de Milão disse "na Igreja, há água e lágrimas: a água do batismo e as lágrimas do arrependimento".[10] Tradicionalmente, "lágrimas de arrependimento", como as derramadas por Pedro, se tornaram um símbolo tanto do luto quando do consolo: um sinal do arrependimento dos pecados de outrora e da busca por perdão.[11]
Durante a Semana Santa em Jerusalém, vigílias por vezes para no local tradicionalmente considerado como aquele onde se deu o "Arrependimento de Pedro", próximo à casa do sumo-sacerdote Caifás.[13]
Arte cristã
Os episódios da negação e do arrependimento tem sido o tema de inúmeras obras de arte durante os séculos, em diversos meios e métodos, partindo dos mosaicos do século VI na Basílica de Sant'Apollinare Nuovo até os ícones russos e pinturas a óleo de muitos grandes mestres. O assunto também aparece por vezes nos ciclos da "Vida de Jesus" ou da "Paixão", geralmente como a única imagem onde não aparece a figura de Jesus.
Na pintura de Rembrandt, atualmente no Rijksmuseum de Amsterdã, ele apresenta a criada que reconhece Pedro com uma vela iluminando a face de Pedro. Dois soldados olham desconfiados conforme Pedro fala e Jesus aparece ao fundo, com as mãos atadas nas costas, virando-se para olhar para o apóstolo. Pedro desvia o olhar e gesticula com sua mão esquerda, mas sua expressão não demonstra uma atitude de desafio.[14]
A Negação de Pedro de Caravaggio está atualmente no Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque. O autor George Weatherhead admira nesta obra a forma como Pedro exibe uma fraca trepidação em sua expressão insegura, consciente da indigna falsidade do que está dizendo. Seus lábios tremem e seus olhos buscam — sem encontrar — a firmeza da verdade.[15] Nesta pintura, Caravaggio retratou a criada utilizando-se da mesma cabeça de mulher que ele havia utilizado em sua pintura da Decapitação de São João Batista.[16]
O "Arrependimento de Pedro" é muito raro antes da Contrarreformacatólica, quando o tema se tornou popular como uma reafirmação do sacramento da Confissão, alvo de ataques protestantes, principalmente depois da publicação de um livro muito influente do doutor da IgrejaRoberto Belarmino (1542-1621). A imagem tipicamente mostra Pedro às lágrimas, num retrato de meio-corpo, sem nenhuma outra figura presente e com as mãos juntas à direita. Às vezes, o galo aparece ao fundo. Maria Madalena arrependida, outra imagem do livro de Belarmino, é também por vezes retratada junto com Pedro.[17]