Seriados, cinesseriados, filmes em série[1] ou seriados cinematográficos[2] (em inglês: serial film, movie serials ou chapter plays) são filmes sequenciais, com um número limitado de episódios curtos, perfazendo no total uma história completa, que eram apresentados nos cinemas da primeira metade do século XX.
Os seriados são atualmente considerados uma forma de filme B, não apenas por se basearem em fórmulas simplificadas, mas também por terem sido feitos com baixos orçamentos e visarem principalmente o lucro, características essas que remetem ao filme B.[3] Usualmente tinham entre 10 e 15 episódios, com algumas exceções, e cada episódio terminava com uma proposta extrema, em que o herói (ou a heroína) enfrentava uma situação de perigo, aparentemente sem solução, de forma a prender a atenção do público, levá-lo à curiosidade de ver o episódio seguinte, e conferir a forma com que o perigo seria superado, numa característica que ficou conhecida no cinema como cliffhanger. Os episódios originalmente eram semanais, e sempre terminavam com um convite ao público para assistir o subsequente.
A história apresentada pelo seriado, explica William Henckemaier, geralmente envolvia um herói ou heroína lutando contra o mal, contra algum vilão, que continuamente os expunha a armadilhas ou situações extremas de perigo, e das quais o herói escapava bravamente. O instante final do episódio subentendia, muitas vezes, a morte ou a derrota do herói, mas no episódio subsequente o público conferia sua sobrevivência através da persistência e da coragem. A situação se repetia ao longo de todo o seriado, numa sequência de armadilhas e perigos contínuos, até que, finalmente, no último episódio, o herói vencia o vilão. Os personagens eram bastante caricatos, arquetípicos, representavam heróis e vilões, e costumeiramente havia o “melhor amigo”, coadjuvante que funcionava como suporte para o personagem principal.
Histórico
Entre 1908 e 1920, o cinema se desenvolveu através dos chamados filmes em série ou seriados, que se tornaram a grande atração das casas de projeção.[4] Essa inovação não era, porém, uma criação do cinema, pois na época, em especial na França, eram populares os fascículos quinzenais com histórias policiais e de aventuras, os quais se espalharam pela Europa. Foi na França, portanto, que o seriado surgiu, com Nick Carter, le roi des détectives,[5] em 1908, baseado nos fascículos, sob direção de Victorin Jasset, diretor cheio de imaginação que muitas vezes improvisava o roteiro durante as filmagens.[5] Mediante o sucesso da série, várias imitações foram feitas na Europa, tais como Raffles[6] e Sherlock Holmes na Dinamarca, e Nick Carter na Alemanha.[4]
Em 1911, surgiu no cinema o detetive Nick Winter, interpretado por Léon Durac; também em 1911, o diretor Victorin Jasset realizou Zigomar, um seriado baseado nas aventuras de um bandido, publicadas no jornal Le Matin, e Zigomar Contra Nick Carter. Em 1913, dirigiu Protea, com a personagem principal apresentando uma mulher fatal.
O mais famoso seriado da época, porém, foi Fantômas, de Louis Feuillade, adaptado do folhetim de Pierre Souvestre e Marcel Allain. O personagem, interpretado por René Navarre, podia realizar várias performances: podia se passar por rei, médico, vagabundo, entre outros, e era perseguido pelo detetive Juve. Entre 1913 e 1914, foram realizados 5 filmes da série Fantômas.
Os filmes em série chegaram, por volta de 1912, aos Estados Unidos da América, com What Happened to Mary?, co-produção do Edison Studios Company e da revista The Ladies World, primeiro seriado estadunidense. Os seriados comumente eram acompanhados, enquanto veiculavam nos cinemas, pela mesma história em capítulos nos jornais. Por volta dos anos 1910, tinha-se o hábito, nos cinemas populares dos Estados Unidos, de passar os filmes importantes por partes de um rolo, o que pode ter incentivado o aparecimento do seriado. O seriado estadunidense, porém, diferente dos filmes em episódios europeus, tais como Fantômas, de Louis Feuillade, e Nick Carter, de Jasset, tinha articulação com os folhetins impressos.[5] Na época, o jornal Chicago Tribune, pertencente aos McCormick, produtores de máquinas agrícolas, enfrentava a concorrência do Chicago's American, pertencente a William Randolph Hearst. Os McCormick, então, começaram a publicar folhetins cuja adaptação cinematográfica era conferida semanalmente, nos cinemas, assegurando para si os clientes dos Nickelodeons.[5] Em 29 de dezembro de 1913, por exemplo, cem cinemas de Chicago iniciavam a exibição do seriado The Adventures of Kathlyn, cujo folhetim fora publicado no Chicago Tribune, e um mês depois Hearst revidou com um seriado do Edison Studios, The Active Life of Dolly of the Dailies. Todo esse acontecimento foi acompanhado amplamente pela imprensa.[5] Os seriados proliferaram, apresentando suas obras primas, tais como The Million Dollar Mystery, produção da Thanhouser Film Corporation, que rendeu dez vezes o seu custo, e The Perils of Pauline, produção Pathé/ Hearst, estrelando Pearl White, que logo se tornou ídolo dos jovens.[5]
Os seriados se tornaram muito populares entre as crianças e os jovens da primeira metade do século XX, e geralmente as sessões de cinema, inclusive no Brasil, até os anos 60, eram precedidas por um episódio de seriado, como eram conhecidos então. Posteriormente, foram adquiridos pelos canais de TV, sendo apresentados então em episódios semanais ou diários. Grande parte era de western, mas havia os mais diversos gêneros: dramas, ficção científica, espionagem, aventuras na selva, além de adaptações de livros. Alguns chegaram a ser bastante dispendiosos, como foi o caso de Flash Gordon, que pode ser considerado uma das maiores produções de seu tempo.
Com o advento do cinema sonoro, a Grande Depressão tornou difícil a sobrevivência das pequenas companhias cinematográficas. A Mascot Pictures e a Universal Pictures foram algumas das poucas que suportaram a transição do cinema mudo para o sonoro.
Nos anos 30, algumas companhias independentes tentaram fazer seriados. Em 1937, o grande sucesso da Universal Pictures foi Flash Gordon, e no mesmo ano foi criada a Republic Pictures, que envolveu a absorção da Mascot Pictures, de forma que, em 1937, a produção de seriados estava nas mãos de apenas três companhias: Universal Pictures, Columbia Pictures e Republic Pictures, com a Republic alcançando a liderança na qualidade das produções. Cada companhia fazia quatro ou cinco seriados por ano, entre 12 e 15 episódios cada. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1946, a Universal transferiu sua unidade de seriados e foi renomeada como Universal-International Pictures. A Republic e a Columbia continuaram sua produção, ambas com quatro seriados por ano. A Republic fixou os seriados em 12 capítulos, e a Columbia em 15.
Nos anos 50, as séries televisivas e a venda dos velhos seriados para os canais de TV causaram o declínio dessa forma de filme e o seu esquecimento gradativo. O saudosismo após os anos 50 incentivou a volta e a recuperação pelos fãs e pelos estúdios profissionais, com a restauração de muitos deles.
No Brasil
Os seriados alcançaram grande popularidade no Brasil, e a Universal Pictures foi a primeira distribuidora de companhia americana a instalar seu escritório em terras brasileiras.[9] A partir de 1915, com a exibição, em São Paulo, de A rapariga misteriosa (Lucille Love, Girl of Mystery),[10] produção de 1914, sob direção de Francis Ford, houve grande influência do estilo estadunidense de seriados na produção de filmes. A influência desses seriados na produção cinematográfica brasileira torna-se evidente ao analisar os filmes produzidos na época. De acordo com Luciana Araújo, os seriados norte-americanos produzidos entre meados dos anos 1910 e início da década seguinte constituíram um fenômeno de popularidade em diversos países, inclusive no Brasil, onde o entusiasmo pelo gênero se prolongou ao longo da década de 1920, graças às constantes exibições que os filmes continuavam a ter, especialmente nos cinemas de bairro e do interior.[11]
No Brasil, foi realizado Os Mistérios do Rio de Janeiro, em 1917, escrito e co-dirigido por Coelho Neto e produzido pela Rio-Film,[11] porém não passou do primeiro capítulo,[4] que foi exibido sob o título O Tesouro do Viking, em 25 de outubro de 1917, com Procópio Ferreira e Basílio Viana.[12]
Outro que se pode considerar seriado brasileiro foi A quadrilha do esqueleto, produzido pela Veritas-Film de Irineu Marinho, com “aventuras policiais”.[11] Também Le film du diable (Nacional-Film, 1917) é caracterizado como seriado pela revista Cinearte, em matéria de 1932.[13] A dificuldade de passar do primeiro episódio deixa clara a grande limitação na produção de seriados no Brasil, pela exigência de meios de continuidade de produção com que o Brasil ainda não contava.[11]
Características
Segundo William C. Cline,[14] de um seriado deveriam constar os seguintes ingredientes: um herói, que defendesse a verdade e a justiça, e com o qual o público se identificasse; um ajudante do herói; uma heroína, “bonita e vulnerável”; um vilão e seus capangas; um prêmio pelo qual todos lutassem, e os perigos, “destrutivamente mortais e inescapáveis”. Ainda segundo Cline, um bom seriado apresentaria um mistério envolvendo o herói ou o vilão, cuja identidade secreta seria revelada apenas no último episódio.
Outra característica seria uma relação estreita com as histórias em quadrinhos, com pouco diálogo e muita ação.[14] As cenas de briga eram os “pontos altos dos filmes”, eram filmadas de um plano geral, o sangue era quase inexistente,[15] e o herói saía incólume da briga. Os chapéus eram amarrados nas cabeças por elásticos, para que os dublês não fossem reconhecidos durante a cena, daí o fato de os chapéus nunca caírem.[15]
Surpreendentemente, os primeiros seriados estadunidenses tinham como principal protagonista a mulher, como foi o caso de What Happened to Mary, de 1912, The Adventures of Kathlyn, de 1913, The Perils of Pauline, The Exploits of Elaine e The Hazards of Helen, de 1914, que ocasionaram inúmeras sequências e imitações. Neal of the Navy, de 1915, tem sido considerado o primeiro seriado estadunidense a usar um nome masculino no título, que até então era dominado por nomes femininos.[16] Talvez isso se deva ao fato de, concomitantemente, os seriados serem publicados, também serialmente, em jornais da época, em sessões predominantemente dedicadas ao público feminino. O primeiro seriado estadunidense, What Happened to Mary, em 1912, foi publicado, também em série, na revista The Ladies' World, de McClure. A realização paralela interativa entre a publicação na revista e a exibição nos cinemas foi combinada entre o editor da revista The Ladies' World, Charles Dwyer, e Horace G. Plimpton, gerente do Edison Studios.[17] A capa da revista The Ladies' World (1912) avisava: "Cem dólares para você, se puder adivinhar o que aconteceu com Mary". O primeiro capítulo da história foi publicado com a competição. A resposta correta mais próxima dos eventos dos próximos 20 minutos da história, em 300 palavras ou menos, ganharia 100 dólares. O ganhador foi Lucy Proctor, de Armstrong, Califórnia, dizendo que Mary seria resgatada por um jovem em seu carro. Essa solução foi publicada na edição de setembro de 1912.[17] Essa característica de interatividade entre cinema, jornal e participação do público foi largamente imitada, repetida muitas vezes com outros seriados, em busca do sucesso.
Diversos clichês eram usados nos seriados, para garantir seu sucesso. Um dos mais comuns era o instante final do episódio, quando muitas vezes o herói ficava à mercê do perigo: à beira de um precipício, atropelado por uma tropa de cavalos, inconsciente dentro de um carro rumo ao abismo, ao lado de um barril de dinamite prestes a explodir, entre outros perigos, numa situação que ficou conhecida no cinema como cliffhanger. Muitos filmes, posteriormente, utilizaram tais clichês para prender a atenção e o interesse do público. Um exemplo é o popular Indiana Jones dos filmes atuais, que utiliza uma série de clichês comuns em seriados antigos.
Walter Miller foi um dos principais atores de seriados da era do cinema mudo, atuou em 248 filmes, e entre eles mais de 20 seriados.[19] O austro-americanoEddie Polo, apelidado de Hercules of the Screen (“Hércules das Telas”), atuou em 77 filmes, entre eles pelo menos 13 seriados. William Duncan, além de ator, foi escritor e diretor de cinema, atuando em 171 filmes, dirigindo 88 e escrevendo 46, dentre eles pelo menos 10 seriados. O irlandês naturalizado estadunidense William Desmond, apelidado The King of the Silent Serials (Rei dos Seriados Silencioso), teve entre os seus 205 filmes vários seriados. Elmo Lincoln, considerado o primeiro Tarzan do cinema, entre seus 80 filmes teve vários seriados. Francis Ford, irmão de John Ford, além de ator, foi diretor e escritor de seriados. O roteirista, diretor e produtor cinematográfico George B. Seitz também atuou em seriados.
Desde o primeiro seriado estadunidense, What Happened to Mary, realizado pelo Edison Studios em 1912, apresentando Mary Fuller no papel de Mary, heroína envolta em várias aventuras, o status feminino de donzela em apuros se tornou um dos clichês da forma serial, contribuindo para aumentar a tensão e a curiosidade diante dos cliffhangers apresentados como recurso essencial na tentativa de prender a atenção do público para o próximo episódio. As heroínas se expunham a diversos perigos e armadilhas, escapando milagrosamente e das formas mais inusitadas, conquistando o público com sua coragem e perseverança no caminho considerado politicamente correto.
Destacaram-se, em especial no cinema mudo, algumas estrelas que foram consideradas “rainhas dos seriados”, cujo nome no cartaz do filme era capaz de levar multidões ao cinema.
Um dos elementos mais importantes dos seriados foi a presença dos dublês. Os dublês eram, na verdade, os grandes criadores da emoção dos seriados, no planejamento e execução das cenas e sequências perigosas.[15] No início do cinema, muitos atores e atrizes faziam eles mesmos as cenas perigosas, o que, por diversas vezes, ocasionou lesões e ferimentos graves a ponto de comprometer as filmagens. Helen Holmes, por exemplo, no seriado The Hazards of Helen, de 1914, fez ela mesma muitas de suas cenas. Pearl White, intérprete de seriados como The Perils of Pauline e The Exploits of Elaine, acredita-se que tenha abusado da bebida alcoólica, através dos anos, possivelmente devido às dores crônicas causadas pelos acidentes de filmagens, nas quais ela mesma fazia as cenas perigosas. Na medida em que as estrelas dos filmes se tornaram reconhecidas e, por conseguinte, caras e vitais para as produções, iniciou-se o processo de substituí-los por dublês em cenas consideradas perigosas.
Dublês como Bob Rose, Richard Talmadge, Cliff Lyons, David Sharpe e Yakima Canutt eram exímios cavaleiros, esportistas, e criaram cenas memoráveis que contribuíram para o sucesso dos seriados. Canutt, por exemplo, foi o criador da famosa cena em que cai do topo da diligência em movimento entre a parelha de cavalos, deixando a diligência e os cavalos passarem sobre ele e, depois, agarrava-se ao eixo das rodas traseiras, subindo novamente ao topo para retomar a briga.[20]
Estúdios
Vários estúdios se tornaram célebres devido ao advento dos seriados, investindo em sua produção e tornando-os especialmente rentáveis frente ao grande sucesso, através de fórmulas simples para prender a atenção do público, tais como o uso do cliffhanger, o maniqueísmo vilão x herói, e a caracterização dos personagens de forma caricata e arquetípica, recursos esses que foram largamente usados por alguns estúdios, e que funcionaram especialmente na era do cinema mudo, mediante o entendimento mais fácil e menos elaborado da trama.
Alguns estúdios não alcançaram o sucesso desejado, e fizeram apenas uma investida nos seriados, tais como a Paramount Pictures, em 1917, que distribuiu apenas um seriado, Who is Number One?, um suspense em 15 capítulos, na verdade produzido por uma pequena empresa, a Balboa Amusement Producing Company. A Paramount não tornou a investir em seriados. A Fox Film Corporation, fundada por William Fox em 1915 e que em 1935 se uniria com a Twenty Century Pictures, fundada em 1933, e formaria a 20th Century Fox, lançou apenas dois seriados, em 1920.
No final da década de 1910 e durante a década de 1920, surgiram dezenas de pequenos estúdios, os quais muitas vezes investiam em um único seriado, e suas produções eram distribuídas pelas companhias cinematográficas maiores.
A Mascot Pictures, fundada em 1927, produziu seu primeiro seriado naquele ano, o WesternHeroes of the Wild, e investiu de tal forma no gênero que, em 1929, foi o primeiro estúdio a lançar um seriado com som, mesmo que parcial, The King of the Kongo, adiantando-se à Universal, que lançaria o primeiro sonoro um mês após, The Ace of Scotland Yard, também com som parcial.
Muito do cinema mudo estadunidense foi perdido, e mesmo dos filmes sonoros, a partir de 1927-1950, talvez metade tenha sido perdida.[21] De alguns seriados do início do Século XX apenas restaram fragmentos ou alguns capítulos, preservados em acervos particulares, públicos ou da Library of Congress.
Nos anos que precederam o cinema sonoro, estima-se que 80 a 90% dos filmes se perderam, pois na primeira metade do Século XX eram feitos à base de nitrato, que era instável, altamente inflamável, e requeria técnicas de conservação para que não se destruíssem com o tempo.[22] Muitos desses filmes não foram conservados, apenas alguns foram reciclados, e esse fato faz com que a conservação dos filmes encontrados seja uma prioridade entre os historiadores.[23]
Embora se saiba que muitos filmes mudos jamais serão recuperados, muitos foram descobertos em arquivos de filme ou coleções particulares. Em 1978, em Dawson City, Yukon, um trator descobriu enterradas bobinas de filme de nitrato durante a escavação de um aterro sanitário. Dawson City fora o fim da linha de distribuição de muitos filmes. Os títulos foram armazenados na biblioteca local até 1929, quando foram usados como aterro em uma piscina. Armazenados durante os anos 50, os filmes acabaram sendo bem preservados. Havia filmes de Pearl White, Harold Lloyd, Douglas Fairbanks e Lon Chaney, Sr. Esses filmes agora estão sob os cuidados da Biblioteca do Congresso.[24]
Muitos filmes da era muda, por serem à base de nitrato, foram usados em explosivo e reciclados para combate durante a Primeira Guerra Mundial.[25] A atriz de filmes mudos Ruth Roland, porém, certificou-se de que seus filmes sobrevivessem, pois armazenou-os no seu quintal em uma abóboda de concreto, onde eles foram encontrados após a sua morte, em 1937, aos 45 anos de idade.[25]
Influências
A influência dos seriados no cinema é indiscutível, não apenas na produção cinematográfica estadunidense, como também mundial, ao longo do século XX, estendendo-se aos tempos atuais. Alguns seriados tiveram transformadas suas características estilísticas e técnicas em um atributo da história do cinema.
Um exemplo é o seriado francês Fantômas, realizado entre 1913 e 1914, sob direção de Louis Feuillade,[4] que apresentava o personagem Fantômas, criado por Marcel Allain (1885–1969) e Pierre Souvestre (1874–1914).[26]Fantômas fora criado em 1911 e apareceu em 32 livros escritos em colaboração dos dois autores; após a morte de Souvestre, Allain escreveu mais 11 volumes da série. O seriado Fantômas tem sido considerado um dos modelos inspiradores do seriado estadunidense inicial.[5]
Outro seriado mudo francês, Les Vampires, também conhecido como The Mysterious Saga,[27] escrito e dirigido por Louis Feuillade, e que veiculou irregularmente nos cinemas entre 1915 e 1916, tem sido referenciado como tendo criado o gênero de thriller de crime, criando técnicas de suspense cinematográfico, usadas mais tarde por Alfred Hitchcock e Fritz Lang.[28] Ele também é referenciado com inspirador de cineastas experimentais Luis Buñuel,[29] e diretores franceses da New Wave, como Alain Resnais e Georges Franju.[30] Tem sido considerado por alguns como o primeiro exemplo de um filme de gângster. Les Vampires não se refere, na verdade, a seres mitológicos, como seu nome sugere, principalmente enfocando um dos líderes das gangues, Irma Vep (interpretada por Musidora), cujo nome é um anagrama de vampire. Estilisticamente, o filme é feito em forma de pulp fashion, sendo realizado de forma rápida e pouco dispendiosa, com roteiro curto. Apesar de ter sido extremamente impopular na época de seu lançamento, devido a sua má qualidade em comparação com outros filmes e pela sua moralidade duvidosa,[31]Les Vampires alcançou grande sucesso com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, transformando a atriz Musidora em uma estrela do cinema francês.[32] Aos poucos, o filme ganhou a aclamação da crítica e a compreensão, e agora é sem dúvida o trabalho mais conhecido e reverenciado de Feuillade. Les Vampires foi incluído no livro 1001 Movies You Must See Before You Die.[33] Em maio de 2012, seu escore era 7.2 no IMDB e no Rotten Tomatoes ele alcançou uma avaliação de 100%, indicando Fresh.[34]
O filme de Olivier Assayas, Irma Vep, de 1996, com uma história nascida da tentativa de refazer Les Vampires, é tanto uma homenagem ao carácter inovador do filme original, quanto uma crítica do estado atual do cinema francês. A peça The Mystery of Irma Vep também é inspirado no filme, assim como a adaptação brasileira Irma Vap - O Retorno.[35]Les Vampires também é referenciado no filme francês de 1974 Celine and Julie Go Boating, onde as personagens-título vestem trajes semelhantes aos de Irma Vep, e no filme de guerra de 2009, Inglourious Basterds, onde cartazes de publicidade podem ser vistos em um escritório. O álbum de estreia oficial (Black Lips!) do grupo de rock estadunidense Black Lips apresenta na capa uma imagem de Irma Vep.
Criação de George Lucas e de Steven Spielberg, o tom e o estilo dos filmes de Indiana Jones também guardam estreita relação com os seriados dos anos 1930 e 1940. George Lucas teve ideias para dois filmes inspirados nos seriados dos anos 30, uma adaptação do herói das tiras de jornal, Flash Gordon, e outra de ação, inspirada na Republic Pictures e em Doc Savage, com um arqueólogo aventureiro. A primeira não pode ser concretizada, uma vez que descobriu que os direitos já haviam sido vendidos pela King Features Syndicate ao produtor italiano Dino De Laurentiis,[36] o cineasta resolveu reunir outras influências e criar Star Wars,[37] a segunda era The Adventures of Indiana Smith, que com a colaboração do roteirista Philip Kaufman, o qual sugeriu usar a Arca da Aliança, se tornou Raiders of the Lost Ark. Spielberg, que passou sua infância em Scottsdale, Arizona, e costumava assistir nos anos 50 as matinês, declarou: Eles me causavam ótima impressão, por serem tão emocionantes e tão toscos. Eu ao mesmo tempo me envolvia com as histórias e as ridicularizava. Em dada semana, o mocinho terminava o episódio suspendo de um precipício, ou em um carro que despencava e explodia lá embaixo. Mas na semana que vem ele reaparecia sem danos. Eles esqueciam de mostrar a tomada em que o sujeito escapava do carro. Não posso admitir algo assim em um Indiana Jones.[38]
Outro legado do período serial foi o Western, que continha a fórmula incontestável do seriado: o herói, a heroína, o vilão, a rapidez de ação, o pouco diálogo e os perigos; dessa forma, a combinação western/seriado foi perfeita. Direcionados originalmente para o público infanto-juvenil das matinês nas pequenas cidades, o western, assim como o seriado, contribuíram para a caracterização dos personagens arquetípicos da moderna sociedade, inspirados no maniqueísmo “bem x mal”, na luta pelo direito e pela justiça, no sucesso final do “bem”. O Western, que durante muito tempo foi considerado “o cinema americano por excelência”,[39] encontrou na tela, portanto, o seu meio de expressão ideal, do encontro de uma mitologia com um meio de expressão.[40]
O Cliffhanger, termo atualmente integrado ao mundo cinematográfico, pode ter migrado para o cinema no seriado do cinema mudo, The Perils of Pauline, de 1914, exibido em episódios semanais que apresentavam Pearl White como uma permanente “donzela em perigo”. Especificamente, um episódio filmado nos arredores de New Jersey Palisades terminava com a heroína literalmente à beira do precipício. A partir de então, vários seriados utilizaram o recurso, tais como The Hazards of Helen, The Timber Queen, entre outros, em que a heroína sempre terminava o episódio sob uma situação de perigo extremo e, aparentemente, sem solução. Entre 1912 e 1956, foram produzidos 232 seriados com o recurso do cliffhanger. Exemplificando através de incursões mais recentes, possivelmente o mais famoso cliffhanger foi o fim do filme de 1969, The Italian Job (Um Golpe à Italiana), onde o veículo usado na fuga ficava literalmente “balançando à beira do abismo”. Atualmente tais recursos passaram a ser utilizados em séries de TV, especialmente em novelas. Nos Estados Unidos da América, o enorme sucesso de Who shot J.R.?, fechamento de temporada de Dallas, utilizou o cliffhanger para manter a expectativa dos telespectadores. Outro notável cliffhanger ocorreu em Dinastia, em 1985, e em The Best of Both Worlds, episódio de Star Trek: The Next Generation, em 1990.
Algumas séries de TV tomaram o cliffhanger como característica marcante de continuidade, como foi o exemplo de The Time Tunnel (O Túnel do Tempo). Em cada episódio a série apresentava uma história completa, mas, no final, os protagonistas eram lançados através do túnel do tempo em um novo local e em uma nova aventura, anunciada de forma a manter o interesse do público. Esse recurso foi utilizado igualmente em Lost in Space (Perdidos no Espaço), série produzida entre 1965 e 1968. No Brasil, os capítulos de telenovela geralmente usam o recurso cliffhanger para manter a atenção dos telespectadores, e o final de cada capítulo passa a ser uma cena que desperta a curiosidade para a resolução da situação, assegurando a audiência continuamente.
No Brasil, algumas telenovelas utilizaram mais amplamente o recurso, inserindo-o no contexto de expectativa em grande escala, divulgando-o através da mídia, de forma a assegurar a audiência maciçamente. Um dos exemplos, bastante popular na época, foi a famosa questão Quem matou Odete Roitman?, questão-chave que garantiu a audiência da telenovela Vale Tudo, realizada entre 1988 e 1989. Anteriormente, uma questão parecida havia sido veiculada, durante a telenovela O Astro, realizada entre 1977 e 1978: Quem matou Salomão Hayalla?.
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